Com a aprovação do texto básico do projeto de lei que dá autonomia ao Banco Central (BC) na Câmara dos Deputados, o tema avança depois de quase 30 anos de debates.
Ainda faltam as emendas, rejeitadas em bloco pelo relator, mas a maioria formada (339 votos a favor e 114 contrários) permite prever que agora a aplicação da regra só depende da sanção de Jair Bolsonaro, porque o Senado já aprovou a medida em novembro de 2020.
O principal argumento favorável à autonomia do BC, que tem como principal instrumento o "descasamento" dos mandatos entre o presidente da República e a diretoria da instituição, é exatamente a blindagem da chamada "autoridade monetária" contra influências políticas. O estresse provocado pelo presidente Jair Bolsonaro a partir da quinta-feira (4) sobre o preço dos combustíveis ilustra bem a necessidade de dar autonomia à atuação do BC.
O papel mais conhecido da instituição é calibrar a taxa de juro para conter a inflação e proteger o valor do real, mas entre suas funções também estão a supervisão do sistema financeiro, portanto o comando da política de crédito, e também a administração do câmbio – na véspera, o BC teve de intervir no mercado para reduzir a alta do dólar provocada por temores em relação à volta do auxílio emergencial sem corte equivalente de despesas.
Do ponto de vista do mercado financeiro, um BC autônomo significa que essas funções serão desempenhadas sem comando do interesse eleitoral. Uma cicatriz recente foi a atuação da política monetária no governo Dilma, quando houve forte redução do juro durante período de alta de inflação (agora está ocorrendo uma situação semelhante, embora não idêntica, porque a forte recessão de 2020 justifica a manutenção de taxa baixa). A imagem do Brasil no Exterior tende a melhorar, ao menos nesse aspecto, com um BC autônomo.
As maiores críticas sobre a autonomia se concentram no excesso de poder conferido a um técnico que não se elegeu para comandar três políticas públicas essenciais. Como se trata de "autonomia", não "independência" (confira detalhes abaixo), o BC perseguirá metas definidas por ministros indicados pelo eleito.
Se o projeto for aprovado, o próximo presidente do BC só vai assumir no terceiro ano do mandato do próximo presidente da República, e a diretoria também terá períodos descasados: dois integrantes entram a cada ano dos quatro do mandato presidencial. Assim, o atual comandante da instituição, Roberto Campos Neto, poderia ficar quase 10 anos no cargo, na hipótese de reeleição de Jair Bolsonaro e de sua recondução ao posto.
O cálculo provocou alguma polêmica, embora até a véspera da eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara Campos Neto tenha se comportado de forma técnica. Sua presença em uma festa na casa do ministro das Comunicações, Fabio Faria, para acompanhar a votação e torcer por Lira, arranhou ligeiramente essa imagem. O compromisso não constava na agenda, como deveria, e ele não quis comentar. Então, a autonomia depende muito do compromisso do presidente com a cláusula.
Entenda as mudanças
Autonomia: há diferença entre "autonomia" e "independência". O BC do Brasil não será independente para definir suas próprias metas, que seguem sob responsabilidade do Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelo presidente do BC, pelo ministro da Economia e pelo secretário especial da Fazenda. O que caracteriza a autonomia é a impossibilidade de demissão sumária pelo presidente da República. Se houver necessidade de troca, terá de ser aprovada no Senado.
Papel do BC: a estabilidade de preços continua a ser o principal objetivo, mas também terá de fomentar o pleno emprego, além de zelar pela eficiência do sistema financeiro e suavizar flutuações da atividade econômica. Se houver conflito entre essas missões, prevalece a de controlar a inflação.
Mandatos: serão fixos, de quatro anos, para o presidente e a diretoria do BC, e não vão coincidir com o do presidente da República. O presidente do BC passará a assumir no terceiro ano de mandato do chefe de Estado, como já ocorre nos Estados Unidos. Cada diretor poderá ser reconduzido ao cargo uma única vez.
Sem status de ministro: para "compensar" a falta de autonomia, hoje o presidente do BC tem status de ministro, apesar de estar subordinado ao Ministério da Economia. Com a autonomia, perde esse status e se desvincula do ministério.