Ainda falta a chancela da Câmara dos Deputados, mas a aprovação da autonomia formal do Banco Central (BC) no Senado, na terça-feira (3), encaminha o final de uma novela de quase 30 anos no Brasil. A abertura do caminho da decisão ajudou, inclusive, a reduzir a cotação do dólar e a pressão sobre os juros futuros.
No texto que vai à apreciação dos deputados, há duas surpresas: o atual presidente, Roberto Campos Neto, poderá ficar até nove anos no cargo e o BC do Brasil vai se tornar mais parecido com o Federal Reserve (Fed), o BC dos Estados Unidos (veja detalhes abaixo).
Em tese, a autonomia do Banco Central é importante por blindar seu presidente e a diretoria de interferências indevidas do governante de ocasião. Na prática, não poderia ter vindo em melhor momento, dado o clima de desconfiança que cerca a política fiscal brasileira e a falta de articulação para tocar as reformas estruturais necessárias para reequilibrar as finanças públicas e privadas.
Atualmente, o presidente do BC é nomeado pelo presidente, normalmente logo depois da eleição. Se tudo der certo, fica até o final do mandato e pode alongar a permanência caso o chefe de Estado se reeleja. Com o texto aprovado, haverá descasamento entre os períodos. São os chamados "mandatos não coincidentes": o cargo do presidente do BC, de quatro anos, será mantido até o segundo ano do próximo governo. É isso que abre a possibilidade de que Campos Neto fique no cargo até 2028, caso Jair Bolsonaro se reeleja.
Outra mudança, que na prática oficializa o que já ocorre na prática é adoção da chamada "dupla missão" do Banco Central. Conforme as regras, o único compromisso do BC do Brasil é controlar a inflação. Nos Estados Unidos, o Fed precisa conciliar o monitoramento dos preços com a busca do pleno emprego, ou seja, também tem a responsabilidade de olhar para o crescimento da economia.
Na prática, desde o final da presidência de Ilan Goldfajn, na gestão Temer, o BC vem atuando com um olho na inflação e outro no estímulo econômico por meio da redução do juro básico. Isso se aprofundou no mandato de Roberto Campos Neto e se consolidou durante a pandemia. A necessidade de estímulo à economia passou a fazer parte de quase todos os comunicados e atas do BC nos últimos meses. Apesar de apenas formalizar o que já ocorrer na prática, a medida é importante porque assinala uma mudança na maturidade do sistema financeiro.
Entenda as mudanças
Autonomia: há diferença entre "autonomia" e "independência". O BC do Brasil não será independente para definir suas próprias metas, que seguem sendo decididas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelo presidente do BC, o ministro da Economia e o secretário especial da Fazenda. O que caracteriza a autonomia é a impossibilidade de demissão sumária pelo presidente da República. Se houver necessidade de troca, terá de ser aprovada no Senado.
Papel do BC: a estabilidade de preços continua a ser o principal objetivo, mas também terá de fomentar o pleno emprego, além de zelar pela eficiência do sistema financeiro e suavizar flutuações da atividade econômica. Se houver conflito entre essas missões. prevalece a de controlar a inflação.
Mandatos: serão fixos, de quatro anos, para o presidente e a diretoria do BC, e não vão coincidir com o do presidente da República. O presidente do BC passará a assumir no terceiro ano de mandato do chefe de Estado, como já ocorre nos Estados Unidos. Cada diretor poderá ser reconduzido ao cargo uma única vez.
Sem status de ministro: para "compensar" a falta de autonomia, hoje o presidente do BC tem status de ministro, apesar de estar subordinado ao Ministério da Economia. Com a autonomia, perde esse status e se desvincula do ministério.