Fabio Giambiagi sempre diz que nasceu no Brasil, portanto é "brassileiro", mas o sotaque evidencia que tem pais argentinos e boa parte da infância e adolescência passadas no país vizinho. Tornou-se personagem do debate econômico nacional, com dois livros lançados só neste ano. Um é O Labirinto Visto de Cima - Saídas para o Desenvolvimento do Brasil, em que 42 especialistas traçam soluções em um país que quase só fala de problemas. Outro, mais arriscado, é o segundo volume de Antologia da Maldade, que ganhou o subtítulo Epígrafes para um País Estressado, que será lançado na próxima quarta-feira (24), em parceria com o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. Ao falar do clima rarefeito em que a obra de humor ácido é lançada, observa que estava habituado a essa circunstância na conturbada Argentina, "mas me parece ir contra o que o brasileiro tem de melhor, que é justamente a sociabilidade".
O Brasil de 2022, que vocês mesmos definem no título do livro como "um país estressado" ainda tem humor para brincar com "maldade"?
Ficou mais difícil, porque uma coisa é fazer graça num contexto de mazelas como crise econômica ou corrupção. Outra, muito diferente, é tentar encontrar embocadura para extrair um sorriso do leitor em contexto de pandemia e ameaças à democracia.
Você diz que o tema está em alta, inclusive o que caracterizou como "maldade em estado puro". É uma fase, vai passar?
Assim espero, porque a vida nos últimos anos se tornou realmente muito difícil, amarga, chata. Quase todo mundo tem evitado alguns temas, lugares e/ou alguns amigos ou parentes. Eu estava acostumado a isso na Argentina, mas me parece ir contra o que o brasileiro tem de melhor, que é justamente a sociabilidade.
Governantes parecem ser obrigados a cometer maldades, já ensinava Machiavel. Quais devemos esperar em 2023?
Creio que a imprensa terá que requalificar a linguagem. A expressão "maldades", no noticiário econômico, era associada às medidas impopulares que era necessário adotar para vencer os desafios fiscais, mas depois do que temos visto nos últimos anos, com gente importante rindo da covid-19 ou aberrações desse naipe, me parece que seria uma enorme injustiça dar o qualificativo tradicional à adoção de medidas fiscais plenamente racionais.
Antes do segundo livro sobre maldade, você lançou outro, O Labirinto Visto de Cima - Saídas para o Desenvolvimento do Brasil. Quais são as saídas?
Esse livro tinha uma forte pegada setorial, com mais de 10 capítulos sobre temas específicos, como logística, setor elétrico, educação, de modo que não daria para entrar em cada um. Em termos macroeconômicos, há dois grandes desafios: atacar de uma vez por todas o problema fiscal, que nos persegue desde que iniciei na profissão, há quase 40 anos, e aumentar a produtividade, claramente um enorme calcanhar de Aquiles do país.
Considero fundamental uma sinalização de redução das tarifas de importação num horizonte de cinco a 10 anos, complementada com políticas de estímulo à inovação, com reforma tributária que reduza parte de nossos problemas e por programas para retreinamento de mão de obra.
O que é possível fazer no curto prazo pela produtividade, já que parte depende de educação e leva tempo?
O fundamental é caminhar no sentido de mudar a mentalidade, para que o cidadão comum perceba que o país está perdendo o bonde da história. Se não nos adaptarmos a um padrão mundial crescentemente exigente, em 20 anos poderemos ser como países da África perdidos no tempo, sem espaço no mundo de hoje. Isso significa que as pessoas, as empresas e o país precisam se compenetrar de que a competição é essencial no mundo de hoje. Considero fundamental uma sinalização de redução das tarifas de importação em horizonte de cinco a 10 anos, complementada com políticas adequadas de estímulo à inovação, com reforma tributária que reduza parte de nossos problemas e por programas para retreinamento de mão de obra.
Qual é a importância de uma âncora fiscal para o Brasil? Paulo Guedes fala em algo semelhante à meta de inflação, mas esse modelo não prevê consequências. Funcionaria?
Não vejo com simpatia a ideia que a imprensa diz que estaria em cogitação no Ministério de Economia. Imaginemos que se coloque na Constituição um teto de dívida de, por exemplo, 70% do PIB. E se tivermos algo parecido à pandemia, o que se faz? Não me parece prático tratar do tema na Constituição. Na minha opinião, a relação dívida pública/PIB deveria ser uma referência indicativa de longo prazo a partir da qual se definiria uma estratégia fiscal para períodos de quatro anos, fixando regra de teto de gastos móvel, com algum espaço para crescer.
Na época em que o Japão era como a China é hoje, se dizia que havia quatro tipos de países: desenvolvidos, subdesenvolvidos, Japão e Argentina. Um porque, sendo uma simples ilha no meio do Pacífico, tornou-se uma potência; outro porque, tendo tudo para dar certo, deu errado.
Além de especialista em contas públicas brasileiras, você tem raízes argentinas. Lá, especialistas projetam inflação anual de 100%. A Argentina ainda tem jeito?
Na época em que o Japão era como a China é hoje, se dizia que havia quatro tipos de países: desenvolvidos, subdesenvolvidos, Japão e Argentina. Um porque, sendo uma simples ilha no meio do Pacífico, tornou-se uma potência; outro porque, tendo tudo para dar certo, deu errado. A diferença é que hoje aumenta a proporção de pessoas que, depois de quase 80 anos de fracassos, reconhece que talvez exista um problema com os argentinos no sentido amplo, , para além das responsabilidades específicas de militares ou civis, peronistas ou antiperonistas, intervencionistas ou liberais. Portanto, seria necessário identificar certos denominadores comuns para poder aspirar a sair da crise. É o que o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, candidato a presidente em 2023, qualifica como "maioria de 70%", para poder avançar no caminho da modernidade. Ao mesmo tempo, como há excesso de candidaturas, hoje não se vislumbra quem poderia exercer essa liderança que politicamente sempre é necessária nesses processos de transformação. A esperança é de que as urnas organizem a fila em 2023, mas isso ainda não está claro.
No meio dessa confusão, surgiu um superministro, Sergio Massa. Pode ajudar?
Está implementando o que os argentinos chamam de "plan llegar", ou seja, um plano para que o governo chegue em condições minimamente competitivas às eleições de 2023. Até um mês atrás, o peronismo estava perdendo terreno e havia chance de ficar fora do segundo turno nas eleições, o que seria um vexame histórico. Agora o governo reembaralhou as cartas e tenta uma espécie de renascimento. Neste caso, "sucesso" seria ter uma inflação entre 50% e 60% em 2023, e Massa ser candidato com o argumento de ter "resgatado a credibilidade da política econômica". Isso é como um time começar a semana colocando como grande objetivo perder apenas por 3 a 0 no jogo de domingo.