Não se deve esperar respostas-padrão em uma entrevista com Pedro Janot. A coluna acabou de descobrir uma conversa com o palestrante que veio a Porto Alegre para participar de um evento de formação de jovens líderes do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), que promove anualmente o Fórum da Liberdade. Como executivo, Janot está na origem de diversos negócios no Brasil, entre os quais a chegada da Zara ao Brasil. Considera o lançamento da Azul Linhas Aéreas o mais importante. Foi seu presidente, e o sucesso companhia no país é creditado a essa largada. Em 2011, sofreu um acidente que o deixou tetraplégico, o que costuma descrever como "um novo começo" para se dedicar ao que mais gosta, ajudar as empresas a superar os desafios do mercado. Com a experiência de já ter superado alguns maiúsculos, pessoais e profissionais, Janot afirma que o Brasil só será atrativo a investidores internacionais quando "privatizar as companhias que devem ser privatizadas" e tiver um "governo juridicamente estável":
— Nosso presidente põe a mão em tudo que é lei, querendo operar, modificar, para atender aos interesses dele.
Qual foi o momento mais importante de sua carreira?
Foi o startup da Azul Linhas Aéreas, que além de ser o mais complexo representou uma quebra de monopólio no Brasil. A companhia voou em 2008 para, em 2020, ser reconhecida como a melhor companhia aérea em qualidade. Foi um momento em que tive de pegar tudo o que havia aprendido e despejar nessa companhia com grande diversidade cultural. Só isso foi um desafio, porque quando diversidade é um bando, não traz nada de bom, só gera algo de bom quando passa a ser um time. Foi preciso fazer com que o americano tivesse paciência, conciliar com os caras que tocaram a Varig e achavam que a melhor coisa do mundo era ter o mesmo padrão. Essa conciliação foi desafiadora.
Com essa experiência, tem um diagnóstico sobre a falta de interesse de companhias aéreas estrangeiras em entrar no Brasil, depois da liberação?
Primeiro, para competir aqui é para profissional. As três empresas instaladas (Azul, Gol e Latam), com suas especificidades, são muito fortes, têm cerca de um terço cada do mercado. Segundo, o Brasil é um país que viaja pouco. Terceiro, os custos de uma Embraer no Brasil são iguais aos do Canadá ou da Colômbia, ou de Miami. No dia em que o Brasil estiver com economia pujante e governos estáveis, fazendo as coisas certas, privatizando as companhias que devem ser privatizadas, fazendo o Estado ficar pequeno, aí as chances de ter companhias internacionais aumenta muito. Caso contrário, vai ficar essa mesma bagunça que viemos até agora. A privatização da Eletrobras foi uma joia da coroa que vai deixar tudo mais fácil. É preciso ter um governo juridicamente estável. Hoje, nosso presidente põe a mão em tudo que é lei, querendo operar, modificar para atender aos interesses dele. Um exemplo é essa questão das urnas eletrônicas, sempre com o dedo colocando isso em xeque.
Multinacionais caíram no gosto da corrupção, e não foram poucas. Outras implementaram com queixo duro, não tem conivência, não tem propina. Outras fizeram escolhas de aproximação dessas entidades que gerem o Brasil.
Isso torna o Brasil menos atrativo lá fora?
Torna um país pouco confiável. Multinacionais caíram no gosto da corrupção, e não foram poucas. Outras implementaram com queixo duro, não tem conivência, não tem propina. Outras fizeram escolhas de aproximação dessas entidades que gerem o Brasil.
Entre as companhias que devem ser privatizadas, está a Petrobras? Em que modelo?
Não precisa escolher modelo, já existe. Dependendo do capital que comande, vai fazer valer a sua história. Vai deixar de ser de óleo e gás para ser uma companhia de energia. Todas as companhias do mundo estão fazendo isso. E nós estamos brigando para comprar diesel porque não temos refinaria para fazer diesel. Tampouco é momento de fazer investimento nessa área, porque vêm aí os veículos elétricos, com redução dos veículos a combustão. Essa vai ser a tônica dos próximos 15 anos.
As empresas vão ter de atuar como educadoras. É mais um ônus para o empregador, porque o Estado não consegue fazer o papel dele. É uma equação difícil.
O modelo, em sua visão, seria o mesmo da Eletrobras, o de capitalização?
Sim, dado o tamanho e o faturamento com que mexe. Mas lembro que nas corporations (empresas sem controlador definido que costumam resultar de processos de capitalização), as entidades financeiras não são todas pulverizadas. Um grupo de americanos compra 10%, um de chineses fica com outro percentual. A companhia vai ter a cara do maior de toda essa tripa de investidores.
Como você tem lugar de fala quando se fala em inclusão de pessoas diferentes, como vê a no ESG (governança corporativa, social e ambiental)?
O problema é que esbarra na parte educacional. Para se enquadrar no ESG, as empresas precisam ter pessoas negras, lésbicas, gays, com deficiência. Quando fomos obrigados, em 1998, a ter um determinado percentual de pessoas com deficiência, foi muito difícil, não conseguimos preencher um terço das vagas. Assim, as empresas vão ter de atuar como educadoras. É mais um ônus para o empregador, porque o Estado não consegue fazer o papel dele. É uma equação difícil.
A Lava-Jato foi uma página que só mostrou para a gente como funciona. A forma como o Sergio Moro fez foi equivocada, mas o que ele mostrou nas entranhas do Brasil foi excepcional.
A saída não seria pressionar o governo, qualquer que seja, para que cumpra seu papel?
A gente não vê empresas se posicionando porque briga com governo é algo que ninguém quer ter. Depois, governo bom é governo longe da sua empresa. E depois, porque vai entrar em uma miríade de demandas insuportáveis. Por isso vimos que o empresariado demorou a botar a cara para fora. Está sempre esperando como vai ser a economia. Se der Lula tem um cenário, se der Bolsomito (como Janot se refere ao presidente, que a coluna manteve por não ser ofensiva) tem outro desenho. Assim, não tomam partido. Muitos empresários têm trampa com o governo.
Você menciona corrupção com preocupação, e achamos que o país tivesse virado essa página com a Lava-Jato. Não virou?
A Lava-Jato foi uma página que só mostrou para a gente como funciona. A forma como o Sergio Moro fez foi equivocada, mas o que ele mostrou nas entranhas do Brasil foi excepcional. O que vivemos foi um apocalipse de coisas que todo mundo já sabia mas não tinha provas.