Filha de mãe brasileira e pai alemão, Katerina Elias-Trostmann, 34 anos, foi criada e educada no Reino Unido. Veio para o Brasil como pesquisadora de uma ONG ambiental global e, depois de também contribuir com projetos de financiamento do governo britânico, desde 2020 atua como líder de ESG (governança corporativa, social e ambiental, na sigla em inglês) no país do BNP Paribas, oitavo maior banco do mundo. Após concluir mestrado em Tecnologia Ambiental no Imperial College London, Katerina se mudou em 2013, com o objetivo de conhecer soluções para a crise climática. Hoje, avalia que os bancos têm papel crucial no freio à mudança climática por alocar capital nas atividades econômicas e já começar a escolher as mais sustentáveis. Admite que "nunca imaginou" trabalhar em um banco, mas acredita estar "no lugar certo, na hora certa e no país certo", porque 70% do financiamento da transição caberá a instituições privadas.
Como surgiu a preocupação com a crise climática?
Como cresci em Londres sem ser filha de ingleses, sempre me conectei mais a questões globais, e isso me aproximou da crise climática. Sinto que a forma que cresci me levou a trabalhar com esse tema. A crise climática é uma questão sistêmica e global, mas requer soluções e adaptações locais. Esse aspecto direcionou a minha carreira, e também me fez mudar para o Brasil, pois queria muito trabalhar no país que tem muito a contribuir com esse tema, com soluções de dentro para fora. Queria ainda desconstruir um pouco da visão eurocêntrica, e entender como são as soluções de outros lugares.
Como o desmatamento da Amazônia e os crimes ambientais no Brasil repercutem fora do país?
Sempre trabalhei para tentar explicar um pouco o Brasil para quem está lá fora, e os crimes ambientais que ocorrem aqui realmente têm repercutido muito. A imagem brasileira sofreu bastante, porque a Amazônia chama muito a atenção dos europeus. O desmatamento, as notícias de garimpo ilegal, os incêndios na floresta sempre repercutem muito. Existe uma preocupação generalizada da população e dos governos sobre isso, pois os índices recentes de desmatamento estão muito altos.
Como foi o início de sua atuação no Brasil?
Me mudei há nove anos para o país e ajudei a montar o WRI Brasil, um think thank (centro de debates de ideias) ambientalista global, onde trabalhei com políticas climáticas voltadas à adaptação, buscando achar soluções aos impactos climáticos nas cidades. O tema da adaptação une a questão ambiental à necessidade social, pois o ponto de partida é a vulnerabilidade de um grupo de pessoas, e a partir daí se desenvolve um trabalho com atores públicos e privados para resolver os problemas. Quem vive em áreas de risco, como encostas, vales e assentamentos informais, está muito mais exposto. São as comunidades mais pobres que estão nesses locais, sem estrutura adequada para receber alto volume de chuvas e suas consequências, como alagamentos ou deslizamentos. A mudança climática exacerba riscos já existentes, e se queremos ter um futuro com comunidades adaptadas, precisamos reduzir ao máximo as vulnerabilidades.
Fui trabalhar em banco, o que nunca imaginei. Hoje, sinto que estou no lugar certo, na hora certa e no país certo. Montei a área de sustentabilidade e ESG do BNP Paribas no Brasil, voltada para alinhar os financiamentos com metas climáticas globais.
Quais foram suas outras experiências no Brasil até chegar à posição atual?
Passei cinco anos no WRI (World Resources Institute), ajudando o governo federal e municípios com a implementação do plano nacional de adaptação, inclusive com as prefeituras de Porto Alegre e do Rio de Janeiro, para ajudar a desenvolver planos municipais de resiliência climática. Depois de atuar como implementadora, passei para a função de financiadora. Atuei com o governo federal do Reino Unido, no papel de gerente de financiamento climático, responsável por traçar estratégias e acompanhar projetos para o governo britânico investir no Brasil, voltado a florestas e agricultura sustentável. Depois de dois anos, fui trabalhar em banco, o que nunca imaginei. Hoje, sinto que estou no lugar certo, na hora certa e no país certo. Montei a área de sustentabilidade e ESG do BNP Paribas no Brasil, voltada para alinhar os financiamentos com metas climáticas globais, o que acredito ter um impacto transformador sistêmico e significativo.
Como é sua atuação como líder de ESG e financiamento sustentável?
Minha atuação se divide entre quatro pilares. O primeiro é assessorar os clientes na sua transição ambiental, discutindo plano de clima, adaptação, reflorestamento e assuntos relacionados. A sustentabilidade não é uma linha que, ao ser cruzada, transforma em algo sustentável. É uma jornada constante. A cada novo dia há novas oportunidades de reduzir o impacto no ambiente e afinar o alinhamento na direção do futuro de zero carbono. O segundo é estruturar operações financeiras sustentáveis, em todos os tipos de produtos. A ideia é aproximar produtos financeiros ou identificar soluções que respondam às necessidades sustentáveis dos clientes. O terceiro é a gestão de riscos. Um exemplo é nossa política global de desmatamento zero, com foco na Amazônia e no Cerrado, além de várias outras políticas nesse sentido que regem o nosso financiamento, com critérios socioambientais. E o quarto é coordenar o posicionamento institucional e as ações de combate à crise climática que a instituição desenvolve. Ajudei a construir esses quatro pilares desde que comecei a trabalhar na instituição, no início de 2020, triplicamos nossas operações sustentáveis de um ano para o outro, e seguimos com novas metas para o futuro.
Antes, danos ambientais eram tratados como externalidades (consequências não consideradas por quem toma decisões), mas não é mais assim.
A agenda ESG tem avançado no meio empresarial?
Muito, por vários fatores. Primeiro, as novas gerações estão muito preocupadas com essa questão, que vai impactar de forma crescente o debate público, o consumo de produtos e a busca de locais de trabalho que tenham atuação alinhada a metas climáticas e sociais. Ao mesmo tempo, a regulação dos países também tem avançado no tema ambiental. No Brasil, o Banco Central agora considera o risco climático como um risco de crédito, financeiro mesmo, o que já ocorre em vários outros países. Antes, danos ambientais eram tratados como externalidades (consequências não consideradas por quem toma decisões), mas não é mais assim. Os investidores já sabem quais indicadores EGS devem pedir para avaliar investimentos. Além disso, já se sente os impactos das mudanças do clima, como na onda de calor extremo que atingiu o Reino Unido há poucos dias, ou os deslizamentos após chuvas excessivas no Brasil. Está ocorrendo um despertar geral maior sobre a gravidade desse tema.
Qual o papel dos bancos no combate à crise climática?
Gigantesco, por alocar capital nas atividades que movimentam a economia. Estão colocando na análise de risco do crédito tanto o impacto da atividade no clima quanto na natureza e no ambiente local. Os bancos começam a deixar de financiar atividades não alinhadas ao ambiente e buscam as que priorizam o desenvolvimento sustentável. Para chegar ao objetivo de carbono zero até 2050, precisaremos desembolsar trilhões de dólares, e cerca de 70% do financiamento necessário para essa transição virá de instituições privadas. Quanto mais rápido conseguirmos alinhar os critérios de financiamento com essas metas, melhor. Colocamos 2025, no Brasil, como meta para que todos nossos clientes alcançarem zero desmatamento, uma ação concreta com retorno prático. Conversamos com todos os clientes sobre soluções de transição para que seus negócios tenham o menor impacto ambiental possível, tanto na sua atividade quanto em toda a cadeia.
Buscamos promover, também com nossos clientes, uma meta que cresce na avaliação do mercado, a de percentual maior de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança.
Quais ações ESG o banco faz no Brasil, além das iniciativas de impacto ambiental?
Aumentamos investimentos em empresas de pequeno e médio porte chefiadas por mulheres, fomentando também os outros aspectos sociais ligados à agenda ESG, desenvolvendo políticas afirmativas para aumentar a igualdade racial e de gênero nas equipes. Temos um departamento especial de diversidade e inclusão, desenvolvemos uma mentoria interna especial para colaboradores de grupos historicamente marginalizados, com ações voltadas para a inserção de mulheres e pessoas negras no mercado financeiro. Buscamos promover, também com nossos clientes, uma meta que cresce na avaliação do mercado, a de percentual maior de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança. Os indicadores mostram que ainda existe desigualdade muito grande nessas posições nas empresas. É importante poder alavancar um instrumento financeiro que contemple essas questões, mostrando ser possível, sim, atrelar a sua estratégia de financiamento a metas sociais e de combate à desigualdade e à crise climática.
* Colaborou Mathias Boni