O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Formado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bruno Otonni fez mestrado e doutorado em economia na PUC-Rio. Trabalhou como Analista Sênior do Instituto de Segurança Pública (ISP), foi professor do departamento de Economia da PUC-Rio e lecionou no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro (IBMEC-RJ). Atualmente, é pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), professor adjunto da UERJ e pesquisa na área de microeconomia aplicada com ênfase em economia do trabalho.
Hoje, a geração de empregos dá respostas positivas, mas até quando isso deve permanecer?
Houve um momento surpreendente e positivo. De fato, contrariando as expectativas, houve geração de empregos no país e a taxa de desemprego caiu bastante. Já vem caindo desde o momento de reabertura da economia, com a vacinação avançando. Normalmente, no início do ano, a taxa sobe por questões sazonais, mas se manteve estável e voltou a cair após o primeiro trimestre. Isso é uma boa notícia. O mercado de trabalho tem sido o copo meio cheio da atual conjuntura econômica. Agora, o copo meio vazio é a qualidade destes empregos. Quando a gente olha para os postos, percebe-se que a renda não é boa. É claro que existe um peso da inflação na corrosão dessa renda, mas há também o componente da qualidade. Há muita geração de vagas de trabalho por conta própria, há emprego formal sendo gerado, sim, mas os sem carteira e os informais reduzem o rendimento e fazem com que a qualidade piore.
E quais são as projeções daqui em diante?
Quando se olha para frente, as perspectivas são piores, porque o cenário brasileiro é moldado pelo aumento da taxa de juros na tentativa de conter a inflação. Isso, necessariamente, gera desaquecimento da economia e terá impacto sobre o mercado de trabalho. O cenário global também não contribui, pois os bancos centrais (BCs) mundo afora aumentam suas taxas de juros, por conta da inflação. Isso deixa o cenário futuro bastante pessimista diferente do que estamos observando por aqui nos últimos meses.
Mesmo em cenário hipotético, é possível controlar a inflação sem gerar desemprego?
A pergunta de “um milhão de dólares” é: quando o desemprego vai se materializar? Isso acontece porque vão ter dois impactos conjuntos: o primeiro da desaceleração da economia brasileira e o segundo da desaceleração da economia mundial. O que não se sabe é, exatamente, quando esses choques vão começar a trazer efeitos. Sabe-se que as ações do BC levam tempo (fala-se em seis meses ou mais de defasagem) para trazerem resultados e há incertezas sobre o momento em que o emprego irá caminhar na direção oposta da de agora. Depois, ainda tem a política monetária internacional.
Que influência teve a reforma trabalhista de 2017 para o comportamento do emprego agora e durante a pandemia?
É muito difícil dizer. Conheço dois trabalhos que buscam uma análise mais séria a respeito desse tema. Um deles, que tem suas limitações metodológicas, não relata muitos efeitos. O outro, também com limitações, mas com método mais crível, conclui que há geração de emprego associada à reforma. O problema é que esse segundo, avalia apenas um aspecto específico que se refere aos honorários de sucumbência (valores que a parte vencida em um processo judicial precisa pagar ao advogado da vencedora, que teve teto estipulado pela reforma) que teria reduzido a quantidade de ações trabalhistas. Sabemos que a reforma foi muito mais ampla do que isso e alterou inúmeros aspectos da legislação. Então, esse trabalho também tem dificuldades em delimitar o efeito agregado. De fato, infelizmente, não temos evidências robustas para afirmar que a reforma trabalhista teve impactos no mercado de trabalho brasileiro ou não e, se teve, qual teria sido.
Mas há quem argumente que as novas modalidades teriam contribuído para precarizar o mercado e reduzir a renda?
Nesse aspecto, em específico, podemos refutar e negar a afirmativa. Quando pegamos o número de empregos, vemos que o emprego intermitente e o trabalho em tempo parcial tiveram pouca geração de vagas. Portanto, me parece que não se pode dizer que a baixa qualidade do emprego, que tem sido observada nessa recuperação do mercado e trabalho atual, tenha relação com as novas modalidades trazidas pela reforma. Os dados não parecem corroborar, porque se isso fosse verdade, teríamos muita geração nessas novas modalidades. O que pode estar acontecendo é que a reforma ampliou o escopo para a contratação de autônomos, aqui entendidos como MEIs (Micro empreendedores individuais) e trabalhadores por conta própria com CNPJ. Este último tipo de emprego tem crescido muito e possui um grau maior de precarização na comparação com a carteira assinada, nem tanto na renda, mas de volatilidade de renda e garantias, como por exemplo acesso ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em caso de acidente. Também, em caso de perda do emprego, não existe FGTS e seguro desemprego. Então, nesse sentido, o conta própria com CNPJ, talvez, represente a precarização do emprego e pode estar ligado a uma facilitação, via reforma trabalhista. Esse é o canal em que se pode perceber alguma precariedade trazida pela reforma, mas é algo que precisa ser comprovado.
Que efeito tem a injeção de recursos na economia para o mercado de trabalho?
Inflação e efeitos sobre emprego dependem do BC. Há um cenário de disputa entre o BC e o governo. O BC pisa no freio e o governo solta a mão. Talvez a gente viva um cenário de aceleração da economia, chegando perto da eleição, com inflação subindo também, em razão dessa injeção de recursos, com uma posterior reação da política monetária. para contrapor essa estratégia mais “expansionista” do governo. Vai depender de com que defasagem as duas políticas vão impactar a economia e também a intensidade ambas.