O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Em meio aos desafios e polêmicas, o governo gaúcho inicia essa semana a virada de chave em sua estratégia de venda da Corsan. Após esbarrar em questionamentos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e abortar, pela segunda vez, a abertura de capital em bolsa (IPO), a ideia agora é partir para um modelo de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês), que, ao contrário do objetivo inicial, deverá resultar na venda de 100% da companhia estatual de saneamento para uma empresa do setor privado. O movimento é considerado pelo secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos, como fundamental para arcar com a necessidade de investimentos geradas a partir no novo marco legal do setor (R$ 13 bilhões até 2033). Segundo ele, a luta, agora, também é contra o tempo.
Quais os próximos passos?
Antes do próximo passo, é importante dizer que trabalhamos desde março de 2021 com a intenção de solicitar a autorização da privatização da Corsan. Desde lá, avançamos e os estudos contratados, que dão suporte para que, tal qual foram feitas as outras privatizações, não são perdidos. Então a gente não vai iniciar algo em julho de 2022 e acreditar que em cinco meses teremos a solução pronta. É importante saber que existe um arcabouço de conteúdo, muito robusto, que serviu para dar suporte a estruturação do projeto inicial de abertura de capital para a venda de ações (IPO). Agora, solicitamos uma reavaliação dessa estruturação. Vamos fazer ao longo dessa semana a discussão dessas alterações e já estamos identificando os materiais adicionais necessários do ponto de vista de alterar a proposta de um IPO para um M&A . E, a partir daí, fazer as ações necessárias e retomarmos o processo para depois reiniciar as interações com o mercado.
Foram os aditivos dos contratos que trouxeram insegurança para o IPO?
Não, em absoluto. Aliás, isso é uma falácia, porque a Lei federal, o marco legal do saneamento, é muito clara ao dizer que na privatização, em não havendo alteração do objeto do contrato, a empresa privatizada não precisa de anuência do poder concedente. Normalmente, é assim. Quando você vende uma empresa, precisa-se da anuência do poder concedente. Isso é uma das questões que o próprio sindicato utiliza para enfraquecer a pauta. Mencionar que os contratos geram essa dúvida, quando não trazem essa dúvida, porque a lei federal é clara. Aqueles contratos que foram aditados, ou seja, tiveram o prazo ampliado e dão robustez ao ativo (Corsan) já foram endereçados para a correção de uma cláusula que existia nos antigos.
São aqueles 20 municípios que a Agergs solicitou ajustes nos contratos?
O que a Agergs está solicitando não tem relação com validade, porque os contratos não são validados pela entidade reguladora. Esses contratos foram firmados pelo poder concedente e pela companhia. Primeiro, o titular do serviço e a companhia que presta têm o contrato firmado, ou seja, ele é válido. O que o agente regulador (Agers) está tratando agora é de ajustes sobre a ótica da regulação. Não se trata de dar validade ao contrato. O contrato é válido. A Agergs, busca sob a ótica da regulação, adequar aquilo que ela entende, o que também não é a verdade absoluta, porque isso depende de discussão entre as partes. Quem fala diferente disso é quem quer trazer informações conflitantes. Na condição de gestores públicos, temos compromisso com o que falamos e o que queremos. Por vezes, os que não têm essa responsabilidade fazem ilações que para o mercado é muito ruim. Só prejudica a sociedade gaúcha e a própria empresa, quando se utiliza de informações com o fim específico de barrar a privatização.
Foi o que motivou a troca de modelo?
Também não. O motivo para virar a chave é o seguinte: o IPO é um processo de privatização via mercado de capitais (semelhante ao feito com a CEEE que foi adquirida pela Equatorial) onde se tem uma interação muito forte com o mercado e a proposta era de que a Corsan se transformasse em uma companhia de capital aberto (uma corporation), ou seja, não tivesse um dono controlador com a maioria das ações. Nesse processo, ao atrair a confiança, existem múltiplos interessados que não necessariamente são do setor de saneamento. Tem-se fundos de investimentos, de pensão, empresas, mas não um dono majoritário apenas. Era um processo complexo que seria pioneiro no país. Não há exemplo de privatização da administração direta fazendo esse processo. Foi uma inovação legislativa que está presente no processo que autorizou a privatização da Eletrobrás, por exemplo. Um dos últimos artigos que autoriza municípios, Estados e União a fazerem privatizações via mercado de capitais. Isso, por si, só, segue uma lógica diferente do normal, de pregão ou de licitação. O Que é pioneiro não se tem comparativos e, por isso, suscita dúvidas. Assim recebemos o relatório (do TCE) com algumas dúvidas sobre o IPO e decidimos não recorrer, porque se o fizéssemos, dificilmente, teríamos retorno dentro de prazo que permitisse aproveitar a janela o mês de julho. No mercado de capitais, existem essas janelas para aproveitar o balanço trimestral. Sem isso, buscamos uma alternativa viável. A Corsan, a Agergs e o próprio Tribunal de Contas afirmam que o desafio é de investir R$ 13 bilhões até 2033. Para que se consiga cumprir com isso e, sobretudo, para comprovar a capacidade econômica para os anos futuros – e a Corsan tem dificuldades na condição de empresa pública de arcar –, os dois órgãos (Agergs e TCE) mencionam que a premissa da desestatização precisa ocorrer. A Corsan pública não vai conseguir investir o valor necessário até 2033. Do ponto de vista da sociedade e dos usuários ela precisa ser privatizada, porque a cada mês que passa é menos um mês que terá para agregar ações capazes de contemplar esse desafio de levantar esses R$ 13 bilhões até 2033.
A ideia agora é um processo de fusão e aquisição?
A alteração é para que se busque algo conhecido, que é o M&A (venda de 100%) com controlador e que conta com um rito que traz uma via mais pavimentada, porque a companhia precisa disso para dar ao usuário e ao gaúcho que não é atendido pela Corsan aquilo que deveria ter sido exigido ao longo da sua história: tratar o esgoto. O que não pode é o RS ter apenas 30% de tratamento de esgoto. No caso da área de concessão da Corsan não ultrapassa 20% e isso não prejudica somente o usuário da Corsan, e sim a sociedade, porque quando se larga os dejetos no Rio Gravataí, por exemplo, isso desemboca no Guaíba, mas Porto Alegre não é atendido pela Corsan. São Leopoldo também não. Tomamos essa decisão porque a Corsan precisa, sim, ser privatizada, para o quanto antes iniciar os investimentos que trarão qualidade de vida para os gaúchos.
É possível que se faça o M&A agora e depois ela vá à mercado via IPO?
A Corsan é um bom ativo, é a primeira e única companhia pública a ser privatizada. O que foi feito até agora no país e no setor foram novas concessões. Uma venda de 100% (M&A) muda o perfil dos interessados. Muito provavelmente, os interessados pela Corsan serão os do setor ou que já tragam uma bagagem de conhecimento agregado, porque serão proprietários integrais. Se no futuro, esse novo proprietário (via M&A) for abrir capital da companhia (via IPO) aí será uma decisão do novo controlador. Por agora, o que acontece, é a mudança do perfil do interessado. O que chamamos a atenção é o risco de não fazer. A sociedade gaúcha já passou por algo desse tipo, de ter tomado uma decisão tarde demais, no caso da CEEE. Evitamos um mal maior, porque teríamos mais de R$ 8 bilhões em dívidas que a sociedade teria de suportar, acabamos mitigando, mas também foi um gasto bilionário. O que alertamos, sobre o risco de não fazer, é que, quando o setor começa a ficar mais regulado, se cobra mais eficiência da empresa. Se ela não entrega essa eficiência (e o usuário está certo em cobrar por aquele serviço com qualidade) entra-se na mesma lógica que a CEEE distribuidora enfrentou no passado. Ou seja, o setor fica extremamente regulado e a empresa pública entra em um espiral de crise. É preciso um choque de gestão privada para entregar algo que o setor público tem e terá dificuldade de fazer. O risco é perder tempo e gerar uma nova CEEE lá na frente. É isso que não queremos e vamos trabalhar para evitar, pelo menos, nessa gestão. Sabemos do desafio, mas temos convicção de que vamos avançar.