A nota divulgada no final de semana pela Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib) apontando "ilegalidades" na PEC 15, aprovada no Senado com apenas um voto contrário, o de José Serra (PSDB-SP), criou uma oposição inusitada às medidas. É incomum que entidades empresariais usem expressões tão duras em relação a um tema patrocinado pelo governo de ocasião, qualquer que seja. Na véspera da provável aprovação também na Câmara dos Deputados, a coluna ouviu Venilton Tadini, presidente-executivo da entidade, para entender as motivações e as expectativas sobre o posicionamento contra a PEC.
O que motivou a Abdib a emitir a nota?
Temos evoluído muito no setor de infraestrutura desde 2019, com várias ações legislativas em prol do setor, como marco do saneamento, novo marco do gás, legislação sobre agências reguladoras, lei de licitações. Então, é muito preocupante ver isso em um ano com tempo curto para avançar nessa agenda, que ficou paralisada. Há risco de, até o final do ano, não ter novos avanços. Há uma série de projetos ainda a serem aprovados, como debêntures de infraestrutura, novo marco do setor elétrico com geração distribuída para aumentar a competição. É com muito desapontamento que vemos uma agenda de curto prazo se sobrepor à agenda estrutural, postergando ações importantes para a retomada do crescimento, que depende, principalmente, de investimentos em infraestrutura.
Há temor de perda no setor?
É mais do que isso. Há consenso dos economistas sobre a importância do investimento em infraestrutura para a retomada do crescimento. O Brasil tem gargalos e enormes deficiências que impactam a competitividade sistêmica do país, o que chamamos de Custo Brasil. Em vez de resolver um problema estrutural, que é a inflação, a PEC abana o fogo. A inflação vai voltar mais forte e afetar as classes menos favorecidas, o que supostamente está querendo beneficiar. Quando gera emprego, renda e investimento com infraestrutura, está colocando cidadão em situação mais segura para o futuro. A resposta não é ação assistencialista temporária de curto prazo.
Todo ajuste feito no orçamento acaba sendo feito nos investimentos, por serem discricionários (não obrigatórios).
Uma das preocupações é de onde sairão os recursos para bancar os benefícios?
Quando o teto não é obedecido, aumentam as despesas correntes. Todo corte no orçamento acaba sendo feito nos investimentos, que são discricionários (não obrigatórios). Hoje, em vez de programas articulados de investimentos, há emendas que atendem a interesses específicos (as de relator, ou do "orçamento secreto"). Isso tira sinergia dos investimentos, feitos para atender interesses específicos até legítimos, mas sem articulação, como deveria ter um programa de investimentos de infraestrutura para retomar o crescimento e melhorar a competitividade.
A Abdib também tem estatais federais como associadas, como Caixa e BNDES. Houve debate interno?
A Abdib é uma associação ecumênica, mas obviamente as decisões são tomada pela maioria expressa no conselho de administração. Não houve motivo para debate. Houve uma reunião do conselho de administração, a nota foi aprovada, e um comitê executivo, formado por cinco integrantes do conselho também aprovou. A nota reflete o espírito da entidade. Coloca questões definidas no estatuto, em prol do desenvolvimento. Temos nos manifestado em outras questões, como a iniciativa de discutir a redução de custos da energia, de paralisar um ano o reajuste dos contratos, uma decisão do governo do Estado de São Paulo postergando reajuste de pedágios e outra da prefeitura do Rio de fazer a retomada da Linha Amarela sem indenização. São estruturas fortes de programas da Abdib, que não passam por aprovação de empresa A ou B. Sou executivo contratado, não pertenço a nenhuma empresa e defendo o que está no estatuto e deliberado pelo conselho de administração.
O que cabe a uma entidade representativa do setor é se manifestar em relação ao procedimento e às políticas de médio e longo prazo, para que o Brasil retome o crescimento.
Há expectativa de alguma consequência, já que até a oposição vota a favor?
A entidade tem de se posicionar, mesmo que não haja consequências. O que cabe é se manifestar em relação às políticas de médio e longo prazo, para que o Brasil retome o crescimento. Temos uma forte estrutura de governança e conduta ética. A entidade está tomando ação política, o que não tem é posição político-partidária. Não importa quem venha praticando algo que não seja adequado e consistente com programa de médio e longo prazo, vamos nos manifestar, sim.
Houve reações, a Abdib foi chamada de "comunista"?
Que eu saiba, não. A Abdib foi a primeira entidade a se manifestar, na época da ditadura militar, quando o presidente da entidade era Claudio Bardella, contra importações de equipamentos. Hoje, se o cara anda do lado esquerdo da calçada, já é meio vermelho (risos). A entidade não tem coloração ideológica. Atua do ponto de vista de princípios, no sentido do que é melhor para o desenvolvimento da infraestrutura e do país. Não importa quem faça ações que, a nosso juízo, tenham problema, nos manifestamos como sempre fazemos. Um posicionamento nunca é perdido. Marca o caminho e passos que uma entidade séria tem de dar no caminho de cumprir sua missão básica. Não estamos falando mal do governo nem do Congresso. Estamos expressando opinião contrária ao caminho que está se adotando.
Leia a íntegra da nota (que pode ser conferida no site da entidade, clicando aqui)
POSICIONAMENTO DA ABDIB SOBRE A PEC Nº 15
"A Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (ABDIB) reitera sua preocupação com o avanço de medidas extremamente prejudiciais à estabilidade econômica do país na agenda do Congresso Nacional e alerta para os riscos que as medidas contidas na PEC nº 15 representam para a já combalida economia brasileira e sua imagem perante o mercado e investidores internacionais. A votação da Emenda está marcada para a próxima terça-feira, dia 12. A pretexto de auxiliar as camadas mais vulneráveis da população, o Parlamento pretende adotar medidas comezinhas e de caráter imediatista que, mais cedo que se imagina, se voltarão contra as mesmas camadas desfavorecidas que simulam socorrer. Além da ilegalidade estampada na concessão de benefícios em ano eleitoral, é preciso chamar atenção para as consequências da medida. As despesas adicionais de R$ 41,2 bilhões criadas a toque de caixa, sem a essencial análise de seus impactos fiscais e econômicos, sobrecarregarão ainda mais o já depauperado Tesouro Nacional — e seus efeitos daninhos são mais do que previsíveis. Em primeiro lugar, elas contribuirão para a aceleração da inflação — uma anomalia que corrói o valor da moeda e se volta justamente contra as camadas mais pobres da população. As medidas anunciadas, além disso, absorverão recursos que gerariam efeitos mais consistentes se fossem destinados à saúde, à educação e às obras de infraestrutura que, além de gerar centenas de milhares de emprego, são essenciais para a ativação do sistema produtivo nacional. Usar a grave crise social que o país enfrenta, e que foi gerada justamente pela paralisia da economia, como pretexto para a adoção de medidas que devem provocar uma paralisia ainda maior, é um movimento preocupante. Ele releva falta de compromisso com a pauta que realmente importa para que o país supere o atraso e retome o crescimento. Mostra, além disso, a opção por soluções que podem reconduzir o país a momentos trágicos de sua história econômica que todos julgávamos superados."
São Paulo, 8 de julho de 2022
Venilton Tadini
Presidente-executivo da ABDIB