No mercado, não há discurso político que mascare os efeitos da PEC que aumentou benefícios sociais a menos de cem dias da eleição. Embora já pressionado pelo temor global com inflação e recessão, o dólar subiu 1,65%, para R$ 5,321. É o maior valor desde 28 de janeiro, quando havia fechado em R$ 5,39
Embora tenha passado boa parte do dia no negativo, a bolsa conseguiu fechar com leve alta de 0,42%, a 98,9 mil pontos, mais longe do marco dos cem mil.
A PEC havia nascido para cortar tributos federais e estaduais dos combustíveis — o que significa subsidiar preços. Como era um discurso difícil de sustentar às vésperas da eleição, até porque quem não tem carro pagaria a conta de quem tem, virou "pacote de bondades". Fica entre aspas porque espeta uma conta de R$ 41,5 bilhões fora do teto de gastos e ainda com fontes incertas. Esse é o motivo da inquietação. O governo acena com recursos da privatização da Eletrobras e ganhos extraordinários do BNDES, mas o mercado vê risco fiscal.
A bolsa foi beneficiada pela mudança na direção do vento no Exterior, que depois de uma manhã pessimista engatou uma tarde mais amena. A reação no mercado de câmbio ilustra bem o motivo do apelido de "PEC Kamikaze": a intenção é amortecer o impacto da disparada dos combustíveis mas, ao elevar o dólar, aumenta a pressão por reajustes, não só nas bombas - que pode ser travado até o final do ano com mudanças na Petrobras - mas em outras matérias-primas, tão básicas quanto trigo e óleo de soja, que variam ao sabor das verdinhas.
Como a sexta-feira marcou o início do segundo semestre, além dos riscos global e fiscal, a partir de agora começa a aparecer o risco eleitoral, que vai mexer com os humores de investidores e especuladores.
As tentativas de reduzir o impacto da alta dos combustíveis (6)
1. A PEC "outra coisa": também chamada "pacote do bem", inclui aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e voucher-caminhoneiro de R$ 1 mil. O custo é estimado em cerca de R$ 40 bilhões, que viram de recursos arrecadados com a privatização da Eletrobras e de receitas extraordinárias do BNDES.
2. Aprovada, mas ainda não totalmente aplicada: teto de 17% a 18% de ICMS para combustíveis, energia, transportes públicos e comunicações. Entrou em vigor em São Paulo e Goiás. Outros Estados, como o Rio Grande do Sul, contestam a medida no Supremo Tribunal Federal (STF).
3. No telhado: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) cogitou mudar a Lei das Estatais, que blinda as empresas públicas de influência política direta. Seria para permitir "sinergia" com o governo. Parece ter sido engavetada, mas há sinais de que só aguarda um momento mais propício para voltar ao debate.
4. A caminho: a troca no conselho e na diretoria da Petrobras é uma tentativa de mudar a política de preços da estatal. O novo presidente, Caio Paes de Andrade, já tomou posse, mas o Ministério Público pediu, na quarta-feira (29), que o Tribunal de Contas da União (TCU) investigue a "possível ilegalidade" na nomeação por via expressa, sem seguir a liturgia habitual da substituição.
5. Cortina de fumaça: a suposta privatização expressa da Petrobras, nos mesmos moldes da Eletrobras, via capitalização, é considerada a pior das hipóteses, por substituir um monopólio estatal por outro privado. Os preços subiriam em velocidade ainda maior.
6. Sumiu: se a proposta inicial de zerar tributos federais e ICMS sobre combustíveis segue na PEC "outra coisa", ninguém sabe, ninguém viu.
A política de preços da Petrobras
Para reajustar o preço nas refinarias, a Petrobras adota um cálculo chamado Paridade de Preços de Importação (PPI), adotado em 2016, no governo Temer. A intenção é evitar que a estatal acumule prejuízo com por não repassar aumentos de produtos que compra do Exterior, tanto de petróleo cru quanto de derivados, como o diesel. A fórmula inclui quatro elementos: variação internacional do barril do petróleo — com base no tipo brent, que tem preço definido na bolsa de Londres —, cotação do dólar em reais, custos de transporte e uma margem definida pela companhia que funciona como um seguro contra perdas.