Os europeus temem como nunca um ataque ou um acidente nuclear, os produtores rurais brasileiros se inquietam com o risco de falta de fertilizantes, e o Sport Club Internacional, em má fase nos gramados, não sabe quando vai receber — se vai — o pagamento total de 25 milhões de euros (R$ 150 milhões) da venda do centroavante Yuri Alberto devido pelo Zenit.
Sim, os colegas do esporte já advertiram para esse risco, mas a coluna retoma o assunto para detalhar como a guerra econômica, fundamental no atual conflito, pode provocar estragos nas áreas menos óbvias.
A exclusão de sete bancos russos do sistema que facilita transações financeiras internacionais, o Swif, ainda não está em vigor, o que deve ocorrer a partir de sábado (12). A a decisão do Conselho Europeu tomada na última quarta-feira (2) previu prazo de 10 dias (clique aqui para ver o original, em inglês).
Mas a proibição de que a Rússia negocie títulos de suas reservas de US$ 630 bilhões — que quase duplicou nos últimos seis anos, em sinal de preparativos para enfrentar sanções — já impõe dificuldades para pagamentos internacionais, porque gerou escassez de divisas. Para reagir, o governo de Vladimir Putin adotou contrassanções para tentar impedir o derretimento da moeda nacional, o rublo, e problemas no pagamento da dívida do país. No mesmo dia em que o Banco Central da Rússia (BCR) determinou a elevação do juro de 9,5% para 20% ao ano, determinou que empresas e pessoas que têm recursos em moeda estrangeira vendam 80% das receitas obtidas no Exterior no mercado.
Grandes empresas e bilionários costumam ter contas no Exterior, muitas vezes para fugir das "dificuldades" das economias nacionais. Nesse caso, o problema é que contas e bens físicos de companhias e magnatas russos associados a Putin foram congelados até na Suíça, em uma inédita quebra de neutralidade, ao menos depois da Segunda Guerra Mundial. Então, esse também será um caminho difícil para driblar as sanções.
Quem pensa que um clube de futebol pode ter menos dificuldades para ultrapassar barreiras direcionadas a Putin e sua estrutura de poder precisa conhecer melhor a situação do Zenit. Em primeiro lugar, a Gazprom, maior empresa russa, maior exportadora de gás do planeta e maior empresa de gás natural de capital aberto do mundo não é apenas a patrocinadora do time, é sua sócia-majoritária (clique aqui para ver a informação disponível em um site alemão da estatal).
Portanto, o Zenit está no epicentro das sanções econômicas de EUA e União Europeia. Tanto que, para se afastar dessa sócia agora estigmatizada no Ocidente, a Shell aceitou abandonar cerca ativos avaliados em US$ 3 bilhões na Rússia. A Gazprom está impedida de movimentar contas e bens também em Londres. É um problema sério porque, no mercado financeiro, a capital britânica foi apelidada de Londongrado, tamanha a movimentação de recursos russos na chamada city londrina. Cerca de 60% dos recursos da empresa vêm de exportações, também ameaçadas.
A estatal foi alvo de sanções também no mundo do futebol: foi rejeitada como patrocinadora da Champions League depois de 10 anos, e a final da Liga dos Campeões europeia foi retirada de São Petersburgo, sede do Zenit. Ou seja, um dos campeonatos mais associados a lucros aceitou prejuízo para se afastar da Gazprom.
Por último, mas não menos importante, porque ajuda a explicar a conexão profunda entre a Grazprom e o Zenit, Vladimir Putin nasceu em São Petersburgo e, muito por determinação geográfica, é torcedor do Zenit. O clube tem como diretor-geral Alexander Medvedev (não confundir com Dmitri, ex-presidente russo, que até onde a coluna consegui checar não tem relações de parentesco próximas), até 2019 vice-presidente executivo da Gazprom.
Vai ser preciso um pequeno milagre para que o Inter receba seus R$ 150 milhões, em dólares, euros, rublos ou até mesmo em reais.