As sanções econômicas contra a Rússia alcançaram um grau nunca visto em países com relevância econômica e atingiram o coração da atividade no país, o setor de óleo e gás.
Ao menos três gigantes do setor anunciaram que vão abandonar seus negócios no país que atacou a Ucrânia: a britânica BP, a anglo-holandesa Shell e a norueguesa Equinor. Mas por que companhias que sempre foram associadas à busca de lucro acima de qualquer princípio estão mudando essa história?
Ao justificar a saída da Shell de um projeto conjunto com a Gazprom, uma estatal russa, o CEO da petroleira privada, Ben van Beurden, fez um discurso tocante:
— Estamos chocados com a perda de vidas na Ucrânia, que deploramos, resultante de um ato de agressão militar sem sentido que ameaça a segurança europeia.
A Gazprom é a maior empresa russa, maior exportadora de gás do planeta e maior empresa de gás natural de capital aberto do mundo. Assim como a Petrobras, é controlada pelo Estado russo, que tem 50,2% das ações. Era um parceiro cobiçado até seis dias atrás, mas foi abandonado pela Shell mesmo com pesados custos.
Na nota em que comunica a decisão de abandonar todas as operações na Rússia, emitida na segunda-feira (28), a petroleira privada admite que a saída do projeto Sakhalin 2, uma gigantesca unidade de liquefação de gás natural, vai levar a "impairments" (redução no valor de seus ativos). A estimativa dos ativos da Shell na Rússia era de US$ 3 bilhões.
Na mesma segunda-feira (28), a Equinor, controlada pela Noruega, também informou que está abandonando todas as associações que tem com empresas de energia russas. Mais contido, o CEO e presidente do conselho de administração da estatal norueguesa, Anders Opedal, afirmou apenas que "na atual situação, vemos nossa posição como insustentável".
No domingo (27), a britânica BP havia anunciado que abandonaria sua participação de 19,75% na petrolífera estatal russa Rosneft. Também comunicou que seu CEO, Bernard Looney, renunciou ao posto no conselho de administração da Rosneft. A estimativa de impacto sobre o desempenho financeiro da BP no trimestre é de US$ 25 bilhões, entre perda de ativos e de dividendos. Vinte e cinco bilhões de dólares. Ao explicar a decisão, o presidente do conselho da BP, Helge Lund, afirmou que "a ação militar representa mudança fundamental".
É óbvio que não é a "perda de vidas" na Ucrânia que está levando à saída com prejuízos pesados. Décio Oddone, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) lembra que, com o fim da URSS, o setor de óleo e gás foi assumido por empresas locais russas. Como precisavam de capital, foram buscar parcerias na Europa.
— Como são empresas de capital aberto, são muito suscetíveis a pressões de grupos de interesse — observa Oddone.
Entre os grupos de pressão, estão desde acionistas comprometidos com princípios de sustentabilidade ambiental e social até governos de seus países. A BP, por exemplo, nasceu estatal. Só foi totalmente privatizada em 1995. Além disso, caso seguissem associadas a empresas que serão alvo de sanções, as petrolíferas europeias poderiam ser indiretamente atingidas. A coluna, claro, aproveitou para perguntar a Oddone até onde o petróleo pode subir.
— É imprevisível, dizer um número é uma bobagem. Os Estados Unidos podem fazer um acordo com o Irã e suprir parte da falta do petróleo russo. Mas não é um momento em que se possa esperar petróleo barato, nem dólar.
Na tarde desta terça-feira (1º), o barril de petróleo brent estava em alta de 8%, cotado a US$ 105,97.
Atualização: a francesa Total informou nesta terça-feira (1), que não vai investir mais recursos em projetos na Rússia, mas não mencionou saída em posições que já tem no país, como a participação de 19,4% na Novatec, uma produtora de gás natural liquefeito.
Em tempo: as três gigantes que abandonaram a Rússia, BP, Shell e Equinor, além da francesa Total, são importantes investidoras no pré-sal do Brasil.