Não houve quem não experimentasse um arrepio, na noite de quinta-feira (3), ao saber do ataque do exército russo à central nuclear de Zaporizhia, na Ucrânia. O risco de que algo saísse errado tinha consequências inimagináveis.
O temor foi maior porque a Rússia já havia ocupado a central de Chernobyl, cujo nome já vem acompanhado de medo, e o presidente russo, Vladimir Putin e seu chanceler, Serguei Lavrov, vinham escalando a retórica da ameaça nuclear.
Apesar dos sinais inquietantes, Aquilino Senra, professor de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ, avalia que o mais recente movimento bélico faz parte da estratégia russa para forçar uma rendição da Ucrânia:
— As 15 usinas nucleares que existem na Ucrânia representam 50% do abastecimento de energia no país. Na minha avaliação, a Rússia quer tomar as usinas para desligá-las. Se fizer isso, os ucranianos ficam no escuro e sem energia para calefação. Isso levaria a um desgaste da resistência ucraniana. Com frio, todos vão querer que a guerra acabe logo e o país entregue tudo o que tem. É da sobrevivência humana.
Senra detalha que Zaporizhia é uma central nuclear, formada por seis usinas com capacidade de 950 megawatts (MW) cada, o que totaliza 5,7 mil MW — quase a metade de Itaipu, que tem 14 mil MW de potência instalada. É a maior da Europa. No mundo, só há maiores no Japão, no Canadá e na Coreia do Sul (duas). São usinas semelhantes às que existem no Brasil, em Angra dos Reis, com reatores de água pressurizada. Como surgiram comentários de que seriam "à prova de explosão", a coluna quis saber se isso existe. Senra negou:
— Essas essas usinas são projetadas para impedir que haja liberação de radioatividade. Em alguns países, isso é dimensionado para suportar a uma queda de avião. Em outros, como a Alemanha, até para explosões externas. Mas nenhuma térmica nuclear é projetada para suportar um ataque de míssil. Esse é o grande perigo. Um soldado, no campo de batalha, não quer saber. Se alguém atira do outro lado, responde.
Mas se o objetivo é atingir o suprimento de energia, por que, então, as tropas russas ocuparam Chernobyl? Para Senra, trata-se de outra estratégia: impedir que um grupo insurgente ucraniano atacasse a central desativada, a 120 quilômetros de Kiev, causasse liberação de radioatividade e forçasse o engajamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na guerra.
Mesmo com as ocupações de centrais nucleares e as ameaças verbais de Putin e Lavrov, Senra acredita que a guerra "não chega a esse ponto":
— Toda guerra nuclear é autodestrutiva. Einstein disse, ainda em 1942, que não sabia com que armas seria travada a Terceira Guerra Mundial, mas sabia que a Quarta seria com paus e pedras. A principal vítima de um ataque nuclear russo seria a própria Rússia. O país tem cerca de 6 mil ogivas, os Estados Unidos têm 5 mil, mas a distribuição geográfica assegura que, se lançar um míssil nuclear, a Rússia será atacada. Hoje, o maior risco não é uma guerra nuclear. É um acidente causado por mísseis convencionais nessas 15 instalações nucleares da Ucrânia.