É apenas o segundo dia da invasão da Rússia na Ucrânia, mas já existe temor de tomada da capital, Kiev, e derrubada do presidente do país, Volodimir Zelensky, ator e comediante — espécie de Marcelo Adnet ucraniano — que se elegeu com 73% dos votos.
Pressionado de todos os lados por uma escalada de sanções econômicas, o presidente russo, Vladimir Putin acelera seus exércitos para ir às últimas consequências: depor Zelensky e colocar em seu lugar um governo pró-russo. Mas por que as punições se avolumam e Putin nem pisca?
O motivo é óbvio: Putin se preparou cuidadosamente para as consequências da ofensiva. A principal foi o reforço das reservas cambiais. Conforme dados do Banco da Rússia, o BC do país, o estoque de divisas decolou de US$ 360 bilhões em fevereiro de 2015 para o nível atual, de US$ 630,2 bilhões. Depois da anexação da Crimeia, em 2014, quando as sanções internacionais se intensificaram, o país quase dobrou o valor guardado em moeda estrangeira.
Para ter uma ideia mais precisa do que isso significa, é bom comparar com o Brasil. No ranking do Banco Mundial de 2020 (os dados de 2021 só serão atualizados em meados deste ano), a Rússia é a 11ª economia, com PIB de US$ 1,483 trilhão, e o Brasil é a 12ª, com PIB de US$ 1,444 bilhão. Ou seja, as produções têm tamanhos equivalentes. Mas no último dado disponível no Banco Central (BC), de quarta-feira (23), o Brasil tem reservas de US$ 357,9 bilhões — um volume que provoca debates recorrentes entre economistas por ser considerado acima das necessidades.
Putin também construiu uma blindagem dourada: em fevereiro de 2015, tinha o equivalente a US$ 46,79 bilhões em ouro. O dado mais recente do BC russo, de 31 de janeiro passado, mostra uma montanha de US$ 132,26 bilhões, quase três vezes maior. Uma das preocupações do presidente russo no primeiro dia de ataques, já sob sanções anunciadas na véspera, foi garantir aos empresários russos que tem disponíveis US$ 53 bilhões só para fazer frente às sanções.
Conforme Mauro Rochlin, professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), foi a alta nos preços do petróleo que permitiu a Putin forjar sua blindagem a sanções econômicas:
— A Rússia surfou na onda do petróleo nas duas últimas décadas.
Mas pondera que, quando se fala em economia, fala-se mais de fluxos, não de estáticas:
— Os fluxos financeiros mudam ao sabor dos acontecimentos. Pode ser que a guerra, em termos econômicos, não represente o que de melhor a Rússia pode esperar.
No curtíssimo prazo, porém, a blindagem funciona e deixa Putin livre, conforme Rochlin, para que vá "às últimas consequências":
— Sabendo que não haverá reação militar do Ocidente, vai querer ocupar o território e instalar um governo títere, transformar a Ucrânia em um país-satélite completamente alinhado à Rússia, uma espécie de filho de Putin — ironiza Rochlin.
Segundo o economista, graduado pela UFRJ e mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, para o Brasil a crise entre Rússia e Ucrânia pode resvalar por dois canais. O primeiro é o do preço das matérias-primas como petróleo e gás, mas também trigo e milho, duas commodities agrícolas que têm forte produção nos dois países.
— Isso significa impactos possíveis em gasolina, diesel, pão, macarrão, mas como também haverá impacto sobre ração animal, pode chegar ao frango e à carne.
O segundo é o aumento do dólar, como se viu na quinta-feira (25), em que a moeda americana subiu não só no Brasil, invertendo uma trajetória de queda, mas frente a quase todas as moedas.
— Com essa situação, aumenta o grau de incerteza e um aumento na aversão ao risco dos investidores. O dólar mais caro reforça o aumento de preços internos, reforçado pela alta das commodities.