O Ocidente abriu mão das armas e decidiu contragolpear a ocupação russa da Ucrânia com um velho método, as sanções econômicas. Na quinta-feira (24), britânicos e norte-americanos congelaram ativos financeiros de bancos e indústrias do país governado por Vladimir Putin.
Os bloqueios incluem grandes empresas do complexo militar e de transportes, como Aeroflot (aérea), Rostec (armamentos), UAC (aviões), United Shipbuilding Corporation (mísseis táticos), Uralvagonzavod (maior fabricante de carros de combate do planeta) e VTB (banco).
Vai funcionar? Especialistas consultados por GZH têm dúvidas. Muitas. Sanções, embora importante forma de pressão, não costumam derrubar governos autoritários ou populistas. Nem fazê-los recuar muito.
— Os Estados Unidos estão introduzindo controles de exportação nas indústrias de defesa, aeroespacial e marítima da Rússia. Muitas delas ligadas a oligarcas amigos de décadas do presidente russo Vladimir Putin. Essas medidas afetam computadores, semicondutores, equipamentos de segurança da informação. Mas o presidente Biden diz que as medidas podem levar um mês para surtir efeito. A Ucrânia consegue suportar um mês? — pondera Nelson Düring, editor do site Defesanet.com.br, especializado em questões militares.
Düring, que tem fontes na indústria armamentista russa, diz que eles temem ser prejudicados a longo prazo, por não receberem valores de vendas. Mas aí a situação na Ucrânia estará consolidada.
Exemplos clássicos de resistência a sanções são Coreia do Norte (desde 1950), o Irã (convive com bloqueios econômicos desde 1980), Síria (desde 2011), Cuba (desde 1960) e Venezuela (desde 1998). Todos os regimes permanecem no poder, mesmo com períodos de enfraquecimento econômico. Contribui para isso o discurso de união nacional contra um inimigo comum. Via de regra, os Estados Unidos, ponderam analistas.
Já o Iraque e a Líbia tiveram seus tiranos depostos, mas não por causa das sanções. Saddam Hussein conviveu por 20 anos com bloqueios econômicos do Ocidente e só caiu por invasão estrangeira. Muamar Kadafi governou a Líbia por quatro décadas, a ferro e fogo. Foi banido como terrorista pelas nações ocidentais. Enfrentou as mais pesadas sanções já impostas a um país do Oriente Médio. Não caiu por isso, até porque se reaproximou do Ocidente. Foi deposto por uma revolta popular armada, interna, não diretamente relacionada a represálias econômicas.
O objetivo das sanções é punir, não derrubar, ressalta Eduardo Svartman, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed).
— Não há disposição dos membros da Otan para uma reação militar para defender a Ucrânia. Tanto EUA, quanto Alemanha e França, deixaram isso claro ao longo de uma década. Mesmo o envio de armamento foi simbólico, pequena quantidade.
Svartman ressalta que, a julgar pelo discurso de Putin, ele se preparou contra represália econômica.
— Recorre cada vez menos à dolarização e mais ao ouro. Aposta no yuan chinês – e se aproximou diplomaticamente da China. Tanto que as ameaças não dissuadiram os russos de invadir a Ucrânia. Parecem dispostos a suportar o custo econômico que vem por aí.
Esse preparo para a guerra significa, na prática, que a Rússia fará cada vez menos negócios com o Ocidente e mais com países de sua órbita política. Ou seja, todas as ex-repúblicas soviéticas, um grande mercado consumidor e fornecedor. E também com novas frentes econômicas, como a aberta pela política de tolerância mútua com a China.
Em análise divulgada nas redes sociais, o professor Stephen Wertheim, pesquisador do Fundo Carnegie para a Paz Internacional e professor visitante da Universidade Yale, dos EUA, alerta que não só os russos têm a perder. Em tuítes, ele é taxativo: o Ocidente também pode sofrer represália russa no campo do petróleo, gás natural e alimentos, levando preços “para a estratosfera”. A Rússia é o maior fornecedor de gás à Europa e exporta minérios como níquel e paládio, além de trigo e outras commodities.
E a Ucrânia? Provavelmente terá um governo mais próximo aos russos, até porque a guerra iniciada esta semana parece ser do tipo relâmpago.