A elaboração do comunicado do Banco Central (BC) sobre o juro básico já seria difícil se esta quarta-feira (28) não tivesse marcado a volta dos lockdowns na França e na Alemanha. A expectativa, seguida de confirmação, de novas paradas nos países europeus fez a bolsa cair 4,25% e o dólar subir 1,43%, para R$ 5,763, mesmo depois da intervenção do BC.
A volta da turbulência tornou a tarefa do Comitê de Política Monetária (Copom) ainda mais delicada. Se antes era preciso sinalizar alta de juro para frear inflação e desconfiança, agora aumenta o risco de recessão agravada por efeitos no mercado e a parada lá fora.
No mercado financeiro, não se esperava mudança na taxa anual de 2%. Mas diante da combinação de pressão de preços, temor de abandono do ajuste fiscal e fuga de dólares do Brasil havia alta expectativa sobre o tom do comunicado. A inflação, conforme o IPCA-15, começou a alcançar o preço dos serviços. A percepção da alta de preços ainda é maior para os mais pobres, mas se combina à escassez de insumos para exigir maior atenção do BC.
Esse horizonte foi contemplado no texto do Copom: "as últimas leituras de inflação foram acima do esperado, e o Comitê elevou sua projeção para os meses restantes de 2020". Cita a alta nos preços dos alimentos e de bens industriais, consequência da depreciação persistente do real, da elevação de preço das commodities e dos programas de transferência de renda. Afirma mantém o diagnóstico de que se trata de um "choque temporário", mas avisa que monitora o assunto "com atenção".
Havia expectativa, entre muitos economistas, que o Copom renunciasse a prever seus próximos passos (ferramenta chamada de forward guidance, que permite ao BC influenciar as expectativas do mercado quanto a níveis futuros do juro). Não foi o que aconteceu. Também se esperava que retirasse a expressão "espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno", associada à necessidade de manter "estímulo extraordinariamente elevado" mas esse texto continuou lá.
Os dois sinais evidenciam que a reunião prestou atenção à turbulência do dia. Ou seja, além de cuidar de inflação e de desconfiança, o BC vai, sim, monitorar o risco de agravamento da recessão. O clima desta quarta-feira (28) lembrou os dias tensos do início do ano, quando os mercados financeiros despencaram, antecipando-se ao que ocorreu na economia real meses depois. Agora, é preciso torcer ainda mais para uma resposta rápida de imunização. Enquanto isso, quem se vacinou foi o BC, que na dúvida entre inflação e recessão, ficou com a cautela.
A inquietação com o controle fiscal se instalou com a desastrada discussão sobre a implantação do Renda Cidadã para substituir o Bolsa Família. Na terça-feira (27), surgiu novo ruído entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes. A origem foi a queixa de Guedes sobre os obstáculos à privatização. Não se passaram 24 horas e o governo Bolsonaro fez um teste com a concessão de administração de postos de saúde, que foi outra vez abortado pelo presidente.