A aprovação das novas regras para o gás natural pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) é o primeiro passo para um novo ambiente de negócios no segmento até agora dominado pela Petrobras sem que a estatal tivesse amparo da lei para o monopólio virtual. Por isso, a primeira consequência prática será a assinatura de um Termo de Cessação de Conduta (TCC), espécie de primo mais severo do bem conhecido Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A partir daí, a empresa terá de liberar espaço em seus dutos para a passagem de combustível da concorrência – e será devidamente remunerada. Um dos objetivos é preparar a estrutura para a grande oferta de gás do pré-sal, que deve ocorrer em quatro anos. No Rio Grande do Sul, como não há espaço disponível no duto que faz o gás da Bolívia chegar a Grande Porto Alegre e a Caxias do Sul – no Sul, o formato é telescópico, ou seja, o diâmetro diminui à medida que o traçado avança –, o efeito será menor, admite Rivaldo Moreira Neto, diretor da gaúcha Gas Energy que acompanhou as discussões sobre as mudanças. Mas afirma que o Estado poderá ser beneficiado indiretamente pela concorrência e que o programa federal contempla as intenções do Piratini, que pode se beneficiar do incentivo oferecido para os Estados que privatizarem empresas do segmento.
EFEITO CONCORRÊNCIA
"Depois da aprovação no CNPE, a primeira medida de materialização será o Termo de Cessação de Conduta (TCC) que a Petrobras terá de assinar com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Isso significa que a estatal terá de alocar capacidade nos gasodutos. Com mais operadores no Sudeste e no Nordeste, o preço tende a diminuir. Como o Estado hoje é dependente do combustível da Bolívia, poderá, se quiser, usar outro gás, de fonte diferente. Isso não seria possível sem o TCC. O gás teria de passar pelo sistema do Sudeste, que a Petrobras não liberava. As condições ficarão mais competitivas para acessar gás no Estado."
RISCO TARIFÁRIO
"Hoje o modelo de tarifa é nacional, independe de onde entra o gás e até onde vai. O novo prevê que o preço do transporte vai depender da distância.. Pode surgir um investidor no pré-sal que queira entregar no Rio Grande do Sul. O acesso aos gasodutos permite a materialização da competição. As medidas têm sequência lógica. Primeiro vem o acesso físico, depois um sistema tarifário mais racional, para permitir que qualquer comercializador de gás possa entrar em qualquer mercado. O modelo pode não ser perfeito, em um país com mercados longe do centro. Mas não necessariamente o fato de o Estado ser mais distante significará maior tarifa. Ainda que seja um pouco maior do que a do Sudeste, a diferença pode ser compensada por um competidor interessado em um mercado com volume de consumo industrial relevante, e queria negociar um preço de gás, mais o transporte, que seja factível, para ganhar portfólio. Com o mercado aberto, há expectativa
de queda de preço. Tem muito gás do pré-sal para vir."
NOVAS FONTES
"Além do pré-sal, existem outras fontes que podem ser interessantes para o Rio Grande do Sul, ainda mais no momento em que o mercado não tem confiança sobre a real capacidade da Bolívia de seguir exportando gás a longo prazo, pelo período politico muito complexo no país. As reservas foram estatizadas, já houve falhas na entrega de gás para o Brasil. Há um contexto de pressão de que o Brasil não pode depender da Bolívia por muito tempo. Na reserva de Vaca Muerta, na Argentina, a produção de (de xisto, extraído em terra) já permite exportação de gás para o Chile (no inverno, há mais consumo interno para aquecimento). As grandes petroleiras do mundo estão lá, como Total (francesa) e Exxon (americana). A Argentina pode ser tornar uma fonte interessante, embora seja preciso conviver com o risco de problemas políticos também na Argentina. É uma realidade, mas não é bom apostar tanto no longo prazo, porque as coisas podem mudar muito por lá."
PROJETOS NO RS
"Não houve ratificação, pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica, que regula o setor) do cancelamento da outorga, mas cada vez é menos provável que o investimento ocorra no Estado. Mas uma entrada de GNL (gás natural liquefeito) ainda é importante no Estado, porque o duto telescópico tem um teto de capacidade. Houve estudos sobre aumento da capacidade (do trecho sul), mas tende a ser pouco competitivo. Seria preciso investir muito para aumentar um pouco a capacidade. Então, mesmo que não saia em Rio Grande, seria importante pensar em algo com escala menor, sem térmica, que pudesse ser transportado pela Lagoa dos Patos. A oportunidade de trazer GNL para o Estado segue lógica. O projeto de gaseificação de carvão fica mais pressionado economicamente. Com a perspectiva de maior competitividade no mercado, aumentam os desafios para o polo carboquímico. Será um grande desafio econômico, na medida em que se enxerga outras alternativas para o Estado."
ALINHAMENTO COM PIRATINI
"Essas iniciativas do governo federal vem ao encontro dos esforços de privatização do governo estadual. As medidas vão na direção de incentivar Estados, com maior acesso a recursos, a partir de reformas e privatizações. O Rio Grande do Sul está muito bem posicionado nesse sentido. É preciso mudar o ambiente de negócios no Estado. É possível ampliar as vantagens da privatização da Sulgás, o que é importante dada a carência de recursos. A agenda federal traz suporte interessante para a agenda local."