Analista da Austin Rating, empresa criada com foco no sistema financeiro, Luis Miguel Santacreu acompanha a trajetória do Banrisul desde que foi um dos escassos cinco que restaram depois do enxugamento dos bancos estaduais. Sabe da polêmica que envolve o debate sobre a venda do banco no Estado. Mas vê no futuro governo federal um elemento a mais de pressão sobre o Rio Grande do Sul, uma vez que o indicado para o Ministério da Economia, Paulo Guedes, já avisou que vai vender subsidiárias dos públicos federais.
O mercado vê o Banrisul como algo exótico, porque só restaram cinco bancos estaduais públicos?
Só existem ainda em Espírito Santo, Distrito Federal, Pará, Sergipe e no RS. A maioria foi privatizada na época do Proes (programa de resgate do sistema financeiro público). O Sul tem uma singularidade, um certo regionalismo que tem de ser respeitado. Entendo o Executivo. Poderia a população gaúcha estar satisfeita tendo um Estado que atenda as necessidades sem ter um banco público? Haveria finanças mais saudáveis, mas sem um banco publico.
É razoável fazer operações que tiram nacos do banco, enquanto se discute privatização?
Politicamente, é muito difícil conseguir vender. Tirando nacos, o governo mantém a instituição pública e não cria conflito político com Assembleia, população, oposição. O risco é chegar uma hora em que o governo do RS acabe vivendo de liminar para manter os repasses (do governo federal) e evitar retenção de verba. O Rio já está assim, Minas Gerais deve entrar nisso. Será necessária uma negociação com governo federal para resolver questões relacionadas a reforma tributária, que já envolve até o pré-sal (existe a intenção de destinar aos Estados ao menos R$ 20 bilhões do leilão da cessão onerosa, orçada em até R$ 100 bilhões).
Precisaria não mirar só no Banrisul, como se fosse o salvador da pátria. O Estado tem problemas de gasto com funcionários, Previdência.
É procedente a queixa do governo estadual de que a Fazenda subavalia o Banrisul, atribuindo apenas valor patrimonial?
Tem de calcular ágio, verificar o múltiplo que está sendo pago para os bancos. Tem de fazer avaliação técnica, ver a carteira de clientes do banco, fazer um estudo detalhado. Tudo isso contribui para jogar o preço para cima. Mas como vai pagar salário, manter os compromissos? Vai chegar uma hora que terá de entregar anéis e joias.
Um motivo de dúvida é o fato de o banco render ao Estado algo como R$ 6 bilhões, em boa hipótese, para aliviar a dívida de R$ 60 bilhões.
Chegou um momento em que realmente o estoque da dívida é muito grande. Precisaria não mirar só no Banrisul, como se fosse o salvador da pátria. O Estado tem problemas de gasto com funcionários, Previdência. Há outras áreas de despesa no orçamento do Estado que é preciso ajustar. É o que outros Estados estão vivendo. A diferença é que o RS ainda tem algumas joias a serem vendidas, caso de Banrisul, CEEE. No Rio tem a Cedae, em Minas, a Cemig. Tem alguma coisa que ainda dá para vender. A onda vai vir um pouco do Brasil. Quando o governo federal começar a privatizar, não sei se vai ser como foi no FHC. Vai ficar mais exótico, porque sobraram só cinco. Paulo Guedes (futuro ministro da Economia) tem planos de encolher os bancos federais, vendendo subsidiárias. O presidente da Caixa já fala em abrir capital, listar em bolsa. Vai caminhar mais para o mercado.
É urgente um decisão para a questão fiscal, chegou ao limite. É preciso discutir se vale a pena ter banco.
Como é visto o fato de o RS ter mas dois bancos públicos, BRDE e Badesul?
O ideal seria fazer como foi feito na maioria dos Estados, manter uma agência de fomento pública, para aplicar políticas públicas. O Badesul poderia voltar a ser uma agência de fomento. No caso do BRDE é mais difícil mudar, porque é regional, envolve Santa Catarina e Paraná. Cada um atua em área diferente. O Banrisul não financia desenvolvimento de longo prazo. É um banco comercial tradicional, com agências, poupança, caixa eletrônico. Atua em segmento no qual a maioria do mercado está na mão de privados e públicos federais. O governo pode fazer políticas públicas com agência de fomento. Atenderia a demanda de financiamento de longo prazo via banco de desenvolvimento. Qual é a função pública do Banrisul? Tem uma interação forte com as prefeituras, que poderia ser feita com um banco federal, Banco do Brasil ou Caixa, como outros Estados fazem. O Banrisul é um Banco do Brasil do Rio Grande do Sul, em última análise é isso. Seria uma questão de reflexão, sem envolver juízo de valor, sobre o que é importante para o gaúcho, ter um orçamento público com obras e serviços públicos que atenda a população ou ter um Estado com dificuldades, mas com um banco estadual. É uma decisão a ser tomada.
Qual seria a melhor estratégia, vender a área de cartões ou privatizar tudo junto?
É uma boa opção fazer antes um 'test drive'. Checa o apetite do mercado, é uma empresa segregada, mais fácil de analisar e de vender. A avaliação em pedaços pode render mais. É mais tranquilo fazer essa operação, o Estado não perde o controle. É como a venda das preferenciais nominativas lá atrás (no governo Yeda). É urgente um decisão para a questão fiscal, chegou ao limite. É preciso discutir se vale a pena ter banco.