Parte das histórias de ministros superpoderosos em um momento e destroçados no seguinte Thomas Traumann conhece por dentro. Ex-ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff, o jornalista escreveu a história de 14 ministros da Fazenda que mudaram a história e a economia do Brasil – de Delfim Netto a Henrique Meirelles. No livro resultante, O Pior Emprego do Mundo, desenvolve a tese de que o ministro da Fazenda no Brasil é uma espécie de primeiro-ministro, dada sua importância e seu poder. E avalia que a chance de sucesso de uma nova tentativa de superministério – já houve duas – vai depender da capacidade de Paulo Guedes
se liberar de pequenas tarefas.
Se um ministro da Fazenda concentra poderes, um superministro da Economia concentrará ainda mais?
Há duas experiências parecidas, uma no governo Figueiredo, outra no governo Collor. No governo Figueiredo, o (Mário Henrique) Simonsen fez uma série de exigências para continuar no governo, estava na Fazenda no (Ernesto) Geisel, foi para a Secretaria do Planejamento, mas que também era um superministério, ele tinha poderes, tinha orçamento, controle de preços, Banco Central, tudo estava abaixo dele. E durou cinco meses. Depois entrou o Delfim (Netto), que manteve a estrutura, também como superministro, mas passou o governo inteiro tentado controlar a dívida externa. E o Brasil quebrou em 1982 (pediu moratória da dívida), houve recessão gigantesca.
O segundo caso é no governo Collor?
A estrutura montada pelo (Fernando) Collor era muito parecida com a atual, até o nome.
Era um Ministério da Economia, com Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio. Collor pensava no Simonsen para o cargo, que declinou, depois tentou Daniel Dantas e José Serra, que foi bem cotado até o finalzinho. Só se definiu pela Zélia (Cardoso de Mello) faltando duas semanas, porque Mario Covas fez com que Serra não aceitasse. Aí veio o Plano Collor, deu no que deu. O Marcílio (Marques Moreira, que substituiu Zélia) entra para consertar, liberar o dinheiro confiscado, mas o Brasil já estava em crise política total.
Foram duas experiências negativas?
Sim, mas em situação de muita crise, de emergência, tanto no caso do Simonsen, com a crise do petróleo, depois a da dívida externa, e no caso da Zélia, o Plano Collor, depois a crise que levou ao impeachment. São dois exemplos ruins, mas não se pode dizer que, porque deu errado nesses momentos, não vai dar certo agora. Meu medo é a burocracia. É tanta coisa para cuidar, tanta coisa para assinar, nomeação, licitação, controle, que ao concentrar três ministérios tão grandes pode emperrado nas pequenas coisas. O sucesso ou fracasso vai depender muito das pessoas que escolher para resolver problemas para ele e deixem ele pensar nas coisas maiores. Se ele conseguir isso e ficar só no médio e longo prazos, não só nas miudezas, pode funcionar.
Seria coincidência o fato de um superministro assumir durante grave crise?
É grave, mas é diferente. As outras eram emergenciais. O Brasil quebrou em 1882, no governo Collor a inflação mensal era de 80%. Estamos na mesma crise já há cinco anos. O país ainda está mais, mas já saiu da UTI, respira por aparelhos. Precisamos de reforma da Previdência, um projeto de recuperação fiscal, mas são projetos sobre os quais é possível pensar, não é um pacotaço que tem de ser definido da noite para o dia.
Houve ministros muito breves, como Gustavo Krause, e outros longevos, como Pedro Malan e Guido Mantega. Mas ficar muito tempo no cargo não significa sucesso, certo?
É verdade. Se Mantega tivesse saído em 2010, com crescimento elevado, estaria fazendo palestras. O fato de ter ficado foi um óbice. Hoje também há essa especulação sobre Paulo Guedes, se vai ficar, se não vai ficar. É claro que o temperamento dois dois vai ser um problema. No livro, cito muito as diferenças de temperamento entre o presidente e o ministro da Fazenda. É sempre um jogo duplo. Sempre vai depender de quanto espaço o Bolsonaro der a ele. Eles têm divergência, é inegável. Guedes quer privatizar tudo, Bolsonaro não quer vender toda a Petrobras, nem toda a Eletrobras. Tudo o que todos querem é clareza.
Com qual dos ex-ministros Guedes se parece mais?
Tem uma característica engraçada entre os ex-ministros.Geralmente, quando saem do governo estão mais liberais do que eram enquanto estavam no governo. Guedes é uma espécie diferente dos outros. Começa com histórico extremamente liberal, de quanto menos Estado melhor, assumindo que o governo brasileiro tem influência direta na vida do cidadão. Talvez a maior semelhança seja com Simonsen, pela vaidade intelectual e pela capacidade de pensar o Estado ideal.