Acordar numa segunda-feira de manhã e deparar com o belíssimo, importantíssimo Museu Nacional, da Quinta da Boa Vista no Rio, aniquilado pelas chamas foi uma das experiências que jamais esquecerei. Incredulidade, sensação de algo surreal e impossível, mágoa, dor, vergonha, raiva, indignação, e uma compaixão enorme por todos nós, pelo Brasil já tão espoliado, tão submetido, espezinhado e esvaziado.
Passo os dias seguintes ouvindo, compungida e aflita, os lamentos dos mais diretamente atingidos – funcionários, pesquisadores, alunos e frequentadores habituais do museu. Mas o pior, o grave, o mais constrangedor, têm sido as péssimas declarações dos realmente responsáveis, sejam ministérios, sejam outros responsáveis pelo museu. Um diretor chegou a dizer, e repetir, que os bombeiros tinham demorado no atendimento. Ora, eu mesma presenciei o desespero dos bombeiros quando a água secou depois de poucos minutos, e ficaram impotentes, no alto da grua (única, aliás, no começo) ou com as mangueiras no chão, cruelmente secas. Alguns choravam. Claro que demoraria para pegar água no lago ou outras providências, e, pela altura das chamas desde o começo, está bastante claro que nem toda a água do lago iria adiantar.
O que teria adiantado para evitar a vergonhosa desgraça teria sido atender aos apelos, alguns desesperados, de responsáveis, engenheiros, arquitetos, funcionários, pesquisadores, que há meses, até anos, imploravam alguma medida. Um arquiteto enviou um relatório um mês atrás, dizendo claramente que um incêndio parecia inevitável se não se tomassem providências. Não se tomaram medidas, nem foram autoridades ao aniversário de 200 anos do museu – tal a desatenção que por ele tinham.
Fios desencapados, fios enrolados, tomadas sobrecarregadas, infinidade de irregularidades que não dependiam de quem lá trabalhava, mas de quem, mesmo com dinheiro talvez disponível, não o encaminhava para essa pobre, linda, importantíssima instituição respeitada mundialmente. No Brasil e no Exterior, vários noticiários declararam, de maneira realista e trágica, que esse incêndio, por descaso, desinteresse, desvios e ganância ou irresponsabilidade – e sabe-se lá quantos motivos obscenos mais –, era uma metáfora do próprio Brasil em seu momento atual.
O que andamos fazendo de nós mesmos? Estamos como o sujeito que, ao fim da vida, sabendo que pouco tempo lhe resta, para suas correrias supérfluas e desejos inúteis e diz para si mesmo: "O que fiz da minha vida?".
Governos acusam outros governos, autoridades apontam o dedo umas para as outras, alguns fazem comentários cínicos e totalmente inapropriados, querendo diminuir, mais uma vez, o alcance nacional e internacional do ocorrido. Outros falam como se se tratasse apenas de reerguer paredes, pintar de branco, e tudo feito. A perda é incalculável e absolutamente irreparável. Nosso atraso geral aumenta em muitas décadas, mais uma vez.
Pobres de nós: sem pai, sem mãe, sem grandes esperanças. Rezemos para que o país não acabe literalmente uma metáfora dessa torturada ruína esvaziada de seu passado e impedida de um futuro sequer razoável.