Se não tivesse trocado vários e-mails com ele, diria que Gilson Lima, mineiro radicado em Porto Alegre desde os anos 1970, é uma pessoa misteriosa. Começa que, por mais de duas décadas, atuou como “pesquisador acadêmico e industrial coordenando bancadas de pesquisas de ciência de ponta, tecnologia e protocolos de neurorreabilitação em diferentes cidades e países, principalmente europeus”. Tem livros publicados, sendo o último Inteligência Inata – O Caminho da Inteligência no Futuro Não É Artificial (Editora Autografia, 2022). Sou um zero à esquerda nesses assuntos. Mas ocorre que Gilson tem outro por dentro, uma segunda persona: o músico Seu Kowalsky.
Nos anos 1970, ele já andava pela música, em alguma banda, atividade praticamente abandonada quando seguiu seu lado de pesquisador e cientista. Aposentado, em 2015 começou a voltar, lançando em 2017 o primeiro disco, Kowalsky 1.0. Passo seguinte, em 2018 criou a banda Nômades de Pedra e lançou um DVD ao vivo. Enquanto trabalhava na realização do segundo álbum, Depois Não, em julho de 2023 venceu em Porto Alegre o Festival de Bandas Independentes Nós na Fita. Depois Não é o trabalho que estamos registrando aqui, de certa forma definido assim por Gilson/Kowalsky: “Para mim, aos 60 anos, não é hora de entregar um legado, mas de começar outro”.
Já na primeira faixa, Macacão, o rock lembra Raul Seixas, segundo ele um de seus “grandes inspiradores”. A seguir, com um balanço bem suingado, a própria Depois Não é sobre o cotidiano vazio e o perigo de trocar-se o hoje pelo amanhã: “Porque depois o café esfria/ O encanto se perde/ Você não se cria/ Os amigos partem/ Os filhos crescem/ Não serão mais teus/ Se é que um dia foram”. “Esta música concentra a ideia do disco, de que se reinventar é preciso”, sublinha Kowalsky. A seguinte, Última Batalha, é um blues puxado por órgão e guitarra, vocal enfático, gritado. Ele tem um canto convincente, às vezes arranhado.
As quatro faixas seguintes, miolo do álbum, reúnem temas, digamos, românticos, baladas com melodias coloridas, como Amor em Ácido Doce e Tristão e Isolda. Daí vêm cinco rocks dançantes, mais ou menos no clima Raul Seixas, pautados pelo humor, o deboche, a ironia, como Por que o Novo É Novo? Trecho: “Ninguém mais liga pro povo/ E só morre quem não tem grana”. Na banda Nômades de Pedra, Kowalky toca vários instrumentos com, entre outros, Vinicius Silveira (guitarra), Marco Farias (teclado), Jader Trombone, Ivan Zanette (baixo), Rafa Zanette (bateria), as vocalistas Cíntia Rodrigues, Dina Crippa, Ellen Viega e Marcela Machado. Uma bela surpresa! Vale a pena conferir.
(Independente, estúdio Soma, CD R$ 25 pelo e-mail seukowalsky@gmail.com. Disponível nas plataformas digitais)
Sai em maio a biografia de Vitor Ramil
Enquanto ele finaliza as gravações do novo disco (13º!), prometido para julho, vem aí um segundo livro sobre ele: Vitor Ramil, o Astronauta Lírico, ensaio biográfico do sociólogo e ensaísta paulista Marcos Lacerda, ex-diretor de Música da Funarte e autor, entre outros, de um livro sobre a poética de Ronaldo Bastos. Construído a partir de conversas dos dois ao longo de quatro anos, mais entrevistas com amigos (sou um deles, conversei com Lacerda na casa de Vitor em Pelotas) e muuuuitas pesquisas em arquivos de jornais e da web, o livro de 340 páginas resume a história de “um dos mais inventivos artistas contemporâneos brasileiros”.
Trechinho: “Vitor me disse algo surpreendente: ‘Eu não me sinto nem músico, nem escritor, eu não me sinto nada. Eu sou um cara interessado em muitas coisas’. Essa afirmação veio quando estava falando a respeito da sua relação com o ambiente da música, sobre algumas necessidades próprias ao ofício, como a de viajar para encontrar músicos, produtores, arranjadores, o que for. Viver dentro das ambiências do campo cultural, vamos dizer assim, como protagonista entre os atores sociais que compõem este campo”.
No lançamento, em maio, por Acorde Editorial/Editora Hedra, O Astronauta Lírico será vendido por R$ 89. Quem comprar na pré-venda terá 30% de desconto – em Hedra.
(Lembrando: tivemos antes o songbook de Vitor, onde escrevo o texto biográfico, lançado em 2013 pela editora Belas Letras, e a biografia musical Vitor Ramil – Nascer Leva Tempo, de Luís Rubira, professor da UFPel, editada em 2015 pela Pubblicato. Ambos podem ser encontrados, por diversos preços, na internet)
Bem-vindo aos 70, meu camarada!
Talvez o mais porto-alegrense dos compositores de Porto Alegre, meu querido amigo Nelson Coelho de Castro chegará aos 70 anos na próxima quarta-feira, 17 de abril. E no ano que vem, serão 50 de carreira, a contar da estreia nas Rodas de Som criadas por Carlinhos Hartlieb no Teatro de Arena. Quando lançou o segundo disco, em 1984, fiz com ele uma longa entrevista publicada em ZH e que estará no volume 2 de meu livro Aquarela Brasileira. Uma frase tirada de lá: “Eu quero ver o que faria o Menino do Rio com a sua prancha de surfe, só de calção, na volta do Gasômetro, num dia de inverno com dois graus abaixo de zero...”