Em 2019, depois do lançamento do 11º disco, O Homem que Amava as Mulheres, Julio Reny achou que, como compositor, sua veia criativa chegara ao limite. As tentativas de novas músicas ficavam pela metade, “nada prestava”. É quando entra em sua vida o guitarrista, compositor e arranjador Jeff Gomes, que Julio já tinha ouvido num show da banda Engenheiros sem Crea, cover dos Engenheiros do Hawaii. Lembra:
— Eu estava no início da turnê A Estrada Corre para Sempre, o que era uma loucura, pois em 2021/22, plena pandemia, ninguém mais estava tocando. Um dia o Jeff me ligou perguntando se podia tocar comigo, disse que sabia boa parte do meu repertório e tal. Convidei para tocar no show em Canoas e ele matou a pau. Claro que foi incorporado à banda.
Organizada por Sandro Irineu (da produtora Rock na Cara), a turnê durou dois anos, com quase cem shows em cerca de 50 cidades do Estado, a plateia toda de máscaras, os músicos não. E boas doses de loucura pelo meio... Lá pelas tantas, já amigos, Jeff cobrou novas músicas de Julio.
— Eu disse que não tinha mais ideia nenhuma, não saía nada. Aí ele me esculhambou, “como assim, ideia nenhuma”? Fui pra casa, comecei a escrever uns versos e começou a rolar. As letras foram surgindo, cada ideia que pintava, em casa ou num bar, eu ia pro caderno e salvava. Até sonhei com a resolução de uma música. Começamos a compor em parceria. Jeff sabe tudo de harmonia e é um baita poeta também. É como se fossem dois Bukowski escrevendo...
E assim nasceram as cinco músicas do EP Confissões de Escobar. Na verdade, a primeira, O Poeta Triste, pop-rock tipo clássico, é de Nasser Khalil, compositor de São Sepé. Quase na mesma linha vem Solidão do Quarto, com teclado e sax, trecho da letra: “Vivo tentando mudar minha vida/ Sempre tentando achar uma saída”. A guitarra e o sax marcam Fico Doente Quando Eu Penso, rock pegador. Mais rock em A Estrada Corre para Sempre e em Cerveja, Mulher, Boleta, aqui com tempero punk e cigano, letra sublinhando: “Sou meu pior inimigo/ Sou uma alma muito atormentada”.
Com Guilherme Wurch (baixo), Vasco Piva (sax), Marcio Camboim (bateria), Thomas Dreher (piano, sampler, técnico de gravação), participações de Rafael Malenotti, King Jim, Fábio Ly e Marcelo Guimarães, é um grande álbum resumido. A voz intensa dos 65 anos de Julio Reny cantando suas angústias e verdades. Um dos nomes de marcante personalidade do chamado rock gaúcho, que ouvi pela primeira vez em 1978 e sigo admirando, ele já tem pronto outro EP com Jeff — diz que daqui pra frente só fará EPs, pois “hoje ninguém ouve mais do que cinco músicas em sequência”. Mas quem seria o “Escobar” do título?
— É uma gíria que eu inventei e se espalhou entre os amigos. É a chalaça, a loucura, a putaria, a beberagem...
(CD R$ 19,90 em Produto Oficial; também nas plataformas digitais)
O tom de Adriano Souza
Capixaba de Cachoeiro de Itapemirim, desde 1992 radicado no Rio de Janeiro, onde fez sua formação acadêmica, o pianista Adriano Souza já tocou e gravou com meio mundo, de Carlos Lyra e Mônica Salmaso a Beth Carvalho e Jaques Morelenbaum, mas sua maior sequência está nos grupos de Paulinho da Viola, Roberto Menescal e Mauro Senise. Seu segundo álbum solo, Adriano Souza Plays Jobim, produzido também para o mercado internacional, está sendo lançado nesta sexta nas plataformas digitais.
Ao lado do baixista gaúcho Guto Wirtti e do baterista Rafael Barata, ele mergulha em uma seleção não muito comum da obra de Tom Jobim — e os parceiros Vinicius de Moraes (cinco das oito faixas), Newton Mendonça e Chico Buarque. Como diz Dori Caymmi no texto da contracapa, “impossível não se viajar na memória no estilo do genial pianista norte-americano Bill Evans, e isto é um elogio, claro”. Boa comparação, em arranjos como os feitos para Estrada Branca e Caminhos Cruzados, embora Adriano habite um universo diferente do de Evans.
Evans não tocaria como ele sambas rítmicos (e dançantes, por que não?) como Piano na Mangueira, Lamento no Morro e Captain Bacardi (este em clima de samba-jazz e única composição originalmente instrumental do disco). Também no âmbito jazzy, mas com certo aroma erudito, Olha Maria faz breve visita a Insensatez e a um prelúdio de Chopin. O trio básico ganha sopros em Modinha e na citada Captain Bacardi. Em dois arranjos Adriano usa teclados Rhodes e Hammond.
(CD R$ 30 em @adrianosouzapiano; também nas plataformas digitais)