Seis álbuns completamente diferentes entre si mostram que a música brasileira segue rica embora opiniões em contrário.
Selo holandês lança Varisco
O compositor e guitarrista gaúcho Cristiano Varisco anda feliz da vida. Acaba de assinar contrato com o selo holandês OOB Records para distribuir os três primeiros discos e lançar o quarto, que já está gravando. Seu primeiro álbum, Aline, lançado originalmente em 2013, está disponível em CD e nas plataformas digitais. Na sequência, virão Trilhas Sonoras para Filmes Imaginários e Lúcia McCartney, completando a poderosa trilogia instrumental de rock-fusion e experimentalismo.
Com uma sonoridade surpreendente, mesclando folk, psicodelia, rock progressivo, blues, música erudita, sonho e realidade, nestes 10 anos Aline não perdeu atualidade – ao contrário, soa ainda mais atual. As composições refletem, lembra Varisco, suas idas e vindas entre bucólicos caminhos rurais e as poluídas ruas e avenidas de Porto Alegre. Formado em jornalismo e em música pela UFRGS, professor de música e escritor, ele retoma sua trajetória de disco e palco. (CD custa 15 euros em OOB Records).
Dalva Torres une gerações
Mesmo sendo "a grande dama do chorinho pernambucano", Dalva Torres não levou sua popularidade para o mundo do disco. Tanto que lançou o primeiro em 1989 (depois de participar do Projeto Pixinguinha) e só agora chega ao segundo, A Leveza Nua das Horas. Nesse tempo, participou de discos de outros e, depois de se aposentar como auditora fiscal do trabalho, voltou a estudar música e ampliou sua presença em palcos marcantes da tradição do choro e do frevo de bloco em Recife.
Sempre com contagiante bom humor, esta senhora de 82 anos dá seu recado da melhor forma: unindo gerações. Produzido pelo cantor e compositor Gonzaga Leal, o álbum tem apenas um choro, Diz nos Meus Olhos, de Guerra Peixe com letra atual de Zélia Duncan. No mais, samba-canção, bolero, valsa, clássicos e inéditas em um clima de seresta que ela expõe com bela voz. Entre os autores, Sueli Costa/Cacaso, Vital Lima/Hermínio Bello de Carvalho, Batatinha/Roque Ferreira, Socorro Lira. Lindo demais.
Carlos Cavallini e a nova MPB
Já ouviu falar em Carlos Cavallini? O rapaz é muito bom, mas este é só seu primeiro álbum, O Tamanho do Tempo. Nascido no Espírito Santo, há 15 anos vive em Lisboa, onde atualmente faz doutorado em etnomusicologia.
Entre suas influências aponta uma lista heterogênea que vai de Cassiano a Adriana Calcanhotto, passando por Gilberto Gil, Caetano Veloso, Strokes, Weezer, Cidadão Instigado, com temperos dos interiores do Brasil.
Mas na verdade Cavallini não lembra nada disso, revelando personalidade própria que, em termos de gêneros, pode incluir samba, MPB, pop, soul, com letras falando sobre o tempo, o mar, a casa, a amizade. Alguns títulos: Natureza, Nem Todo Mundo, Abraço, O que me Faz Bem, A Grande Beleza (a que mais gostei). Ele canta muito bem, tem uma voz leve, moderna, eu diria despretensiosa. Produzido e arranjado por Ricardo Dias Gomes e Domênico Lancellotti, tem músicos como Davi Moraes (violão) e a portuguesa Celina da Piedade (acordeom).
Uma homenagem aos 80 de Cacaso
No dia 13 de março, Antônio Carlos de Brito teria comemorado 80 anos. Morreu bem antes, em 1987. Ficou conhecido como Cacaso, integrante da chamada "geração mimeógrafo", um dos grandes letristas da MPB, mais de 20 parceiros e alguns clássicos dos anos 1970 e 80.
Idealizado e produzido por Renato Vieira, o álbum Cacaso 80 Anos reúne alguns desses parceiros. Para começar, Joyce Moreno abre os trabalhos com a letra original inédita de Gente Séria, e os fecha com a mesma música na versão gravada por Emílio Santiago. Tem Fonte da Vida, de e com Zé Renato; Lambada da Serpente, de Djavan com Ney Matogrosso; Francamente, de e com Toquinho; Dentro de Mim Mora um Anjo, de Sueli Costa com Alaíde Costa; Dono do Lugar, de e com Edu Lobo; Triste Baía da Guanabara, de Novelli com Leila Pinheiro... E mais. Entre os músicos, Cristovão Bastos, Jorge Helder, Carlos Malta. E a participação vocal de Paula Dias de Brito, filha de Cacaso. (Selo Kuarup).
André Morais pede passagem
Músico, ator de teatro, cineasta, premiado nas três categorias, 20 anos de carreira, o paraibano André Morais não é exatamente conhecido cá no Sul. Mas merece ter projeção nacional, pois é muito bom.
Voragem, este terceiro álbum como compositor e cantor (o primeiro é de 2011), mostra uma música de confecção mais universal que regional. As confluências passam pela África Negra, Cabo Verde, música cigana, blues, e música brasileira, claro. André tem parcerias com Chico César, Carlos Lyra, Ná Ozzetti, Ceumar, Socorro Lira. Já foi gravado por Naná Vasconcellos, Tetê Espíndola, Elza Soares, Mônica Salmaso. Credenciais é o que não faltam. Cantar e Sangrar (parceria com Lucina) tem a voz de Ney Matogrosso. Em Pátria (parceria com a potiguar Valéria Oliveira), participação da cantora Fabiana Cozza. E por aí seguem as surpresas. Quente, a voz de André convida à audição. Ao lado dele, Helinho Medeiros (piano, acordeom) e Pedro Medeiros (violões, viola caipira).
A outra Bahia de Luis Martins
Em dia de surpresas, legal fechar a coluna com o baiano Luis Martins, que já chega com elogios do respeitado crítico carioca Hugo Sukman. Filho de sanfoneiro, ele não canta axé, nem frevo, nem ciranda, nem traz influências dos tropicalistas.
É um moderno das antigas, adepto do samba-canção, do sambossa, da música meio abolerada, e tem até um blues neste quinto disco, Caminhos (o primeiro é de 2018). Para fazê-lo, se cercou de bambas cariocas como Cristovão Bastos (arranjos), Jamil Joanes, Jurim Moreira, João Lyra e tal. Um som maneiro, nada de guitarras, nada de volumes, para quem gosta da música brasileira tradicional mas atualizada, sem ranço. As 12 faixas têm música e letra de Martins, como a de O Morro: "Eu fui ao morro ver o samba/ Fiquei triste e preocupado/ Vi muitos bailes animados/ Mas voltei sem ter sambado". Com o sax de Dirceu Leite, a faixa Amigo lembra João Gilberto. O álbum é lançado pela produtora criada por Luis Martins, a Arroz de Hauçá. Sugiro uma visita.