“Dei um passo para a frente e entrei calmamente na escuridão até que ela me cercou por completo. Me preparei para desaparecer no nada. Só que ali havia algo mais. Olhei para a frente e sorri. Mas aquilo que vi não vou revelar.”
É David Bowie descrevendo sua morte, em 10 de janeiro de 2016, aos 69 anos. Bowie descrevendo? Sim e não. Mas é assim que termina o livro Bowie: Uma Biografia, dos espanhóis Maria Hesse e Fran Ruiz.
Se você ainda não leu, não se preocupe, não estou dando spoiler. Porque desde a apresentação, passando pela cronologia, os 11 capítulos, a discografia, tudo é uma surpresa. A começar pelo fato de a incrível história do mitológico músico inglês ser contada em primeira pessoa.
O texto de Fran/Bowie é entremeado pelos desenhos de Maria – ou vice-versa. Está tudo lá: dos problemas familiares e o irmão esquizofrênico à felicidade do último casamento com Iman (uma mulher negra), passando pelas complicações do casamento com Angie, as namoradas e namorados, o casal de filhos distantes 29 anos um do outro, os detalhes das gravações dos 28 discos, as turnês pelo mundo em mudança, o empresário vigarista, a fortuna, a vida em Berlim e Nova York, as drogas, as amizades com John Lennon, Brian Eno, Iggy Pop, Lou Reed... O rock sublinhando tudo. As intervenções ficcionais de Fran e Maria são imperceptíveis. Talvez o mais fiel alter ego de Bowie tenha sido o alienígena andrógino Ziggy Stardust.
(L&PM Editores, tradução de Sérgio Karam, 176 páginas, R$ 69,90)
Ficções de Arnaldo Baptista
Alienígenas é o que não falta no livro Ficções Completas, de Arnaldo Baptista. São dois contos e uma novela de ficção científica escritos lá por 1974/75, quando Arnaldo abria as janelas para outro de seus talentos, além da música – a banda Os Mutantes, com seu mano Sérgio e sua namorada Rita Lee, fechara as portas em 1973. Sozinho em casa, ele alimentava a imaginação escrevendo. Os originais, datilografados numa Olivetti portátil, atravessaram o tempo guardados por sua mulher Lucinha Barbosa. Na verdade, a novela Rebelde Entre os Rebeldes chegou a ser publicada anos atrás, sem qualquer repercussão. Volta agora diferente, conservando as características singulares dos originais.
Os contos são O Abrigo e The Moonshiners (este escrito originalmente em inglês). No primeiro, o personagem constrói um abrigo antinuclear para se defender da contaminação radioativa da Terra. Em alguns momentos, seria considerado hoje “politicamente incorreto”. No outro, os terráqueos já estão em Marte. O tema central da novela, se é que cabe este resumo, trata de uma consciência cósmica. Informações reais e imaginação a mil. Cabe lembrar que Arnaldo tinha menos de 30 anos quando se “aventurou” por tais caminhos. O livro é recheado de belas ilustrações feitas por inteligência artificial. E, como aqui o espaço é breve, antecipo que o prefácio, do jornalista Jotabê Medeiros, é perfeito convite à viagem.
(Editora Grafatório, 208 páginas, R$ 79)
Enfim o samba de Nuno de Arriaga
Entre 1997 e 2017, Nuno de Arriaga gravou três CDs, que ficaram entre a família e amigos. Administrador de empresas aposentado, vence agora a “insegurança” (palavra dele): selecionou 10 faixas dos três e está lançando o CD Vou Abandonar Minha Mulher (“Ela não gosta de Paulinho da Viola!”, diz a canção-título). Ainda bem que enfim se expõe, pois é um ótimo compositor e intérprete de sambas, letras fluentes e bem-humoradas. “Não busco ganhar dinheiro com música, apenas um pequeno reconhecimento”, diz.
Liderado pelo grande Toneco da Costa, o grupo de músicos é de primeira – entre eles Julio Rizzo, Didi do Cavaco, Fernando do Ó, Mário Carvalho e “apenas” Plauto Cruz (1929-2017), numa de suas últimas gravações e a quem o álbum é dedicado. Nascido em Uruguaiana, radicado em Porto Alegre há mais de 50 anos, Nuno conviveu com Lupicínio, Mario Quintana e Jerônimo Jardim, entre outros bambas. (CD R$ 20, pedidos para nunodearriaga@terra.com.br. Tem alguns vídeos no YouTube)