Como viveu Lupicínio Rodrigues. Ao longo de 59 anos, ele acumulou amores, amizades, noitadas boêmias e dores de cotovelo. Foi soldado, trabalhou como bedel e, entre tantas coisas, se consolidou como um dos maiores compositores da música popular brasileira. Essa história é contada nas 376 páginas de Lupicínio: Uma Biografia Musical (Arquipélago Editorial, R$ 79,90), em que o músico, jornalista e pesquisador Arthur de Faria apresenta a vida e obra do artista porto-alegrense.
O livro será lançado neste sábado (27), a partir das 16h, no bar Guernica (Travessa dos Venezianos, 44), em Porto Alegre. Além da sessão de autógrafos, o evento terá bate-papo de Arthur e Luís Augusto Fischer, seguido de pocket show com Glau Barros e Mathias Pinto.
Na obra, Arthur resgata a trajetória do compositor desde sua infância na Ilhota, passando pelas diferentes ocupações que Lupicínio teve além da música — Exército, bedel na faculdade de Direito da UFRGS, representante da Sociedade de Autores, Compositores e Escritores de Música (Sbacem), empresário etc. —, sua vida doméstica, seus romances, a boemia constante, as parcerias de vida e arte (o que permeia nomes como Caetano Veloso, Alcides Gonçalves, Elza Soares e Francisco Alves). Para isso, conta com depoimentos de músicos, amigos e familiares, recupera arquivos, entrevistas, reportagens, artigos acadêmicos, entre outras mídias e publicações consultadas.
Por ser uma biografia musical, muitas canções de Lupi são atenciosamente analisadas por Arthur. Não foram poucas as composições dele que romperam as décadas — Se Acaso Você Chegasse, Cadeira Vazia, Vingança, Nervos de Aço, Felicidade, a lista é longa. O livro também entrelaça as vivências do compositor com os contextos que estavam ao seu redor, como a Era Vargas, o crescimento do samba e samba-canção, a noite porto-alegrense, a música da capital gaúcha e as transformações sociais e geográficas.
Lupicínio: Uma Biografia Musical é o terceiro livro da série de Arthur sobre a música de Porto Alegre. O primeiro foi Elis: Uma Biografia Musical (2015), que focava em Elis Regina, e o segundo saiu no ano passado, Porto Alegre: Uma Biografia Musical — Vol. 1. A obra sobre Lupi tem como base a tese de doutorado do autor em Literatura Brasileira pela UFRGS.
Arthur já pesquisava sobre a música de Porto Alegre desde os anos 1990. Porém, originalmente, a tese trataria da influência do disco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band em bandas como Os Mutantes, Liverpool, Los Shakers e Almendra. Passados dois anos de doutorado, Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil em 2018. Então, Arthur decidiu rever sua pesquisa.
— Conversei com meu orientador, Luís Augusto Fischer, e percebi que não era o momento de fazer uma coisa tão específica. Queria uma tese que fosse servir para alguma coisa fora da universidade — explica o autor. — Àquela altura, eu já tinha pelo menos umas 50 páginas de pesquisa sobre Lupi, o que se transformou no livro.
Esse moço
Embora Lupicínio: Uma Biografia Musical parta de uma tese, o texto do livro não é acadêmico. A linguagem é bastante coloquial, despojada e, em muitos momentos, bem-humorada, como se fosse uma conversa de Arthur com o leitor. O que não significa que o rigor da pesquisa e o compromisso com os fatos sejam deixados de lado.
Aliás, em um trabalho sobre Lupi, pode ser complicado distinguir lendas e fatos. No livro, Arthur pontua que o compositor "dedicou‑se com afinco a fantasiar e burilar o personagem que criou". Por exemplo, havia uma lenda de que o seu nome era em homenagem a um herói da Primeira Guerra Mundial. No entanto, como o autor escreve, "não há nenhum Lupicínio herói — muito menos já famoso — numa guerra que começou no dia 28 de julho de 1914, apenas um mês e meio antes do nascimento do menino".
Mas a principal fantasia que Lupicínio mantinha era em relação a suas composições, que, segundo ele, teriam acontecido exatamente como descrito nas letras. "Se eu tivesse que dividir meus direitos autorais com as inspiradoras de minhas músicas, nada sobraria pra mim", alegava o compositor. Arthur pondera que as composições de Lupi eram, de fato, baseadas em histórias que, de alguma maneira, tinham acontecido com ele ou outros personagens, mas que a literalidade era exagero.
Mesmo assim, Arthur atesta que "ninguém conseguiu expressar a mais acachapante e abjeta cornitude como o fez Lupicínio". A temática romântica ou da dor de cotovelo sempre foi constante na história da música brasileira, mas raramente trabalhada com tamanho despudor como o compositor fazia.
— Em Sozinha, por exemplo, ele fala da mulher que foi embora com o médico, sendo que o cara havia pago o atendimento para ela curar os bichos de pé. Tenho um parceiro musical argentino, Omar Giammarco, que comenta em uma música (Asia) que há coisas que não devem ser ditas em uma canção. Com o Lupicínio não tinha isso — avalia.
Arthur ressalta que Lupi não tocava nenhum instrumento além da caixa de fósforos, mas que, ainda assim, "as harmonias (os 'acompanhamentos') de suas canções frequentemente estão claramente desenhadas nas suas melodias". "E estava tudo só dentro da sua cabeça", complementa o autor. Se no começo os sambas de Lupi eram mais rápidos, com o tempo desaceleram, mas se tornam ainda mais inventivos.
— Ela falava muito sobre isso, que à medida que ia ficando mais velho foi acumulando sofrimento, então a tendência seria fazer as músicas mais lentas e arrastadas, com todo mundo terminando na valsa — expõe Arthur. — Ele vai abandonando esse formato padrão de estrofe e refrão, de Se Acaso Você Chegasse, por exemplo, e vai cada vez mais criando músicas que não têm nenhum formato padrão.
O autor exemplifica com Loucura, que começa pelo verso "E aí eu comecei a cometer loucura", sendo uma música que inicia pelo meio da história. Para Arthur, é uma canção de uma originalidade brilhante. E era algo criado na cabeça de Lupicínio.
— Acho que o próprio fato de ele não tocar instrumento nenhum não deixava ele se enquadrar nos formatos. O cara, quando toca instrumento, tende a ir repetindo o que ele já sabe. A criatividade dele não tinha nenhum freio, ia para onde a história que ele queria contar o levava — analisa.
Lançamento de "Lupicínio: Uma Biografia Musical", de Arthur de Faria
- Arquipélago Editorial.376 páginas, R$ 79,90.
- Lançamento neste sábado (27), às 16h, no bar Guernica (Travessa dos Venezianos, 44). Bate-papo com Arthur de Faria e Luís Augusto Fischer, seguido de sessão de autógrafos. Pocket show com Glau Barros e Mathias Pinto.