Porto Alegre teve a segunda gravadora com fábrica própria da América Latina nos anos 1910. Entre 1913 e 1924, a cidade era um polo musical. A Capital teve também quatro revistas que falavam dos artistas locais nos anos 1950. Em 1960, a Rádio Farroupilha teve mais de cem músicos contratados. Essas são apenas algumas das histórias contadas no livro Porto Alegre: Uma Biografia Musical - Vol. 1 (Arquipélago Editorial, 320 páginas, R$ 79,90), lançamento do músico, jornalista e pesquisador Arthur de Faria. Na obra, o autor reconstitui a história da música na Capital, narrando a formação da cidade de uma perspectiva musical e provando que ambas se entrelaçam. O livro já está à venda e terá sessão de autógrafos no dia 14/9, às 18h, na PocketStore Livraria (Rua Félix da Cunha, 1.167).
— Tem muitas histórias incríveis, histórias individuais mesmo, a trajetória de algumas pessoas — relata o autor.
A obra é resultado de mais de três décadas de pesquisa, durante as quais Faria, 53 anos, vasculhou os mais variados acervos e entrevistou personagens e pesquisadores em busca de relatos, textos, imagens e sons para a reconstrução da memória. Parte do conteúdo foi escrita ainda em meados dos anos 1990, quando o jornalista trabalhava no suplemento ZH Zona Norte e produziu reportagens sobre Elis Regina e o rock do bairro IAPI. Dali em diante, nunca mais parou de escrever sobre a música na Capital, ainda que a intenção inicial não fosse organizar tudo em livro.
Há alguns anos, percebendo que possuía material suficiente para publicar um livro, foi convencido por Tito Montenegro, editor e sócio da Arquipélago Editorial, a separar o conteúdo em tomos. Deste modo, esta obra inicia uma coleção de sete livros, composta ainda, nesta ordem, por títulos sobre Radamés Gnattali, Lupicínio Rodrigues, Elis Regina (já lançado), o segundo volume de Porto Alegre: Uma Biografia Musical, rock gaúcho e música regionalista. Cada um vai dando continuidade ao anterior.
A sensação de finalmente publicar as obras, segundo Faria, é "muito boa".
— Tem frases que eu escrevi 25 anos atrás e que foram sobrevivendo a todas as revisões — destaca, ressaltando que, como músico, jornalista e pesquisador, as três personalidades se equalizam e se chocam na hora de escrever.
Apesar de o livro sobre a história da música na Capital ser o primeiro volume da série, foi o segundo a ser lançado — uma tática como a de Star Wars, com lançamentos fora da ordem, optando por alternar os livros com maior e menor viabilidade comercial. Foi assim que Elis: Uma Biografia Musical (Arquipélago, 2015), o quarto da série, foi escolhido como o lançamento inicial, por ser mais viável e ter uma demanda maior a nível nacional — e, atualmente, inclusive na Argentina, no Uruguai e em outros países.
Já Porto Alegre: Uma Biografia Musical, por ter um recorte muito específico, foi posto em espera. Sete anos se passaram e, agora, a obra finalmente foi publicada, após ser retida por alguns meses para coincidir com o aniversário de 250 anos de Porto Alegre, o qual busca homenagear. A edição do livro foi viabilizada por meio de uma campanha de financiamento coletivo que teve o apoio de mais de 300 pessoas dos mais distintos lugares, atingindo 106% da meta estipulada.
O termo "biografia", apesar de ser empregado para se referir à história da vida de uma pessoa, se amolda perfeitamente à maneira como o livro conta e contextualiza a história da vida da Capital, que é quase uma entidade por si só, ao abordar a relação desta com a música. No primeiro volume, Faria aborda a história da música popular da cidade, desde o início do povoamento até a Era do Rádio, um período compreendido entre 1752 e meados de 1960. O livro passa ainda pelo folclore açoriano, pelos Carnavais, pelas junções de rua, pelo surgimento dos primeiros espaços culturais e pela era do jazz.
Os capítulos, portanto, intercalam a história da cidade com os personagens que marcaram os tempos. Alguns são pouco citados no livro, porque ganharão obras próprias, como Lupi e Radamés. O livro analisa ainda a rápida expansão populacional, a gradual redução da população escravizada e os recortes de raça e classe no acesso aos bens culturais e à visibilidade artística, evidenciando as diferenças para os artistas negros e brancos enquanto explicita o contexto histórico. Apresentada em prosa solta e bem-humorada, a perspectiva musical da formação da cidade é, conforme o autor, indissociável dos acontecimentos políticos e sociais.
— Tudo são relações econômicas, tudo está interligado. Não dá para pensar as coisas separadas do seu contexto — argumenta Faria, citando como exemplo o impacto da II Guerra na música do RS, com o surgimento do 35 CTG como reação à americanização do mundo após os Aliados vencerem a guerra.
O primeiro volume também mostra "muita derrota", conforme o autor. Ele lembra que a cidade é a capital do Estado e está situada geograficamente entre duas cidades importantes, São Paulo e Buenos Aires, adquirindo características de ambas. No entanto, ainda é periférica em relação a outros centros. Assim, muitos tiveram seu momento de glória e depois foram abandonados ou esquecidos — sobretudo a geração que brilhou até a época do rádio.
— Os artistas daqui, os que não vão embora nas épocas de ir embora, acabam, muitos deles, murchando e morrendo, então é uma história por vezes muito triste — pondera.
Para o músico, o livro é um ponto de partida para muitas possibilidades, fornecendo material para outros livros, abrindo janelas na vida real e na acadêmica para novas pesquisas e subprodutos.
Continuação da série
Ao finalizar o lançamento deste volume, Arthur de Faria já tem os outros engatilhados: o próximo a ser lançado será Lupicínio Rodrigues: Uma Biografia Musical (o quarto da série, que foi tema de seu doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e já está pronto), no início do próximo ano, seguido por Radamés Gnattali: Uma Biografia Musical, que deve ser finalizado também em 2023. Os outros ainda não têm datas de lançamento estipuladas, mas o autor acredita que há material para ser explorado por, no mínimo, uma década.
— Eu não tenho pressa. Se eu tiver pressa nisso, daí eu enlouqueço mesmo (risos). Já é uma irresponsabilidade, uma loucura fazer isso, porque não tem uma história da música de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Recife. É uma insanidade — brinca.
Por enquanto, Faria não pensa em um volume três de Porto Alegre: Uma Biografia Musical — pretende parar no ano 2000, focando apenas em artistas que iniciaram suas carreiras até esse período, para manter um distanciamento que permita fazer uma avaliação coerente.
Mas o autor não para por aí: ele não se dedica apenas aos livros, pelo contrário, realiza diversas atividades — tem 20 discos lançados e escreveu mais de 50 trilhas para cinema e teatro, além de ter produzido 28 discos e dirigido 12 espetáculos. Sua banda Tum Toin Foin, uma orquestra de 10 músicos, lançou um disco neste ano. Há, portanto, mais shows em sua agenda. Ele está compondo ainda dois musicais e envolvido com projetos relacionados a Lupicínio — como o lançamento de um filme que ocorrerá concomitantemente ao livro. Em meio a esses tão agitados compromissos, os leitores poderão desfrutar de um encontro com o autor no dia 14/9 e ter seus exemplares do lançamento autografados.