Um deputado e jornalista assassinado. Outro deputado, e médico, acusado do crime, que chocou Porto Alegre nos anos 1980. E uma jovem que busca, 30 anos depois, entender os acontecimentos que arrastaram sua família para o olho do furacão e impactaram sua vida. Esses são os principais elementos que embalam a narrativa de Diorama (Companhia das Letras, 354 páginas, R$ 69,90 a edição impressa e R$ 39,90 o e-book), nova ficção da escritora gaúcha Carol Bensimon, inspirada no caso Daudt.
Atualmente morando nos Estados Unidos, a autora está em Porto Alegre para o lançamento do novo livro — o primeiro desde que ganhou o Prêmio Jabuti de Melhor Romance, em 2018, com O Clube dos Jardineiros de Fumaça (2017) — nesta terça-feira (30), às 19h, na Livraria Taverna da Casa de Cultura Mario Quintana (Rua dos Andradas, 736, térreo). Realizado no dia em que a obra chega às livrarias do país, o evento contará com um bate-papo com o jornalista Carlos André Moreira. Depois, haverá sessão de autógrafos.
— Eu não tenho dúvida de que é o melhor livro que escrevi, e as pessoas que já leram concordam com isso — garante a escritora, cujas obras já foram finalistas dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura e traduzidas nos Estados Unidos, na França, na Itália, na Espanha e na Argentina.
Diorama mostra a história de Cecília Matzenbacher, cuja família e vida foram diretamente impactadas pela morte do deputado João Carlos Satti, no que ficou conhecido como caso Satti. Cecília é filha de Raul Matzenbacher, acusado do crime. Já adulta, morando nos Estados Unidos, onde busca fugir de seu passado, e trabalhando como taxidermista em um museu de história natural, ela recebe uma notícia que desperta reflexões sobre retornar a Porto Alegre, bem como sentimentos sobre o passado. Assim, ela revisita os acontecimentos da noite de 7 de junho de 1988 para tentar entender o que de fato houve e, se há algum, qual o envolvimento de seus pais na história.
Revirando caixas e procurando testemunhas e envolvidos, Cecília faz uma espécie de inventário e reconstituição do crime. Deste modo, a verdade vai, aos poucos, sendo desvelada. O livro transita por diferentes momentos da vida da protagonista — de 1980, quando criança em Porto Alegre, passando pelo julgamento, até o momento presente, em 2018, com ela adulta enfrentando, em meio a tudo isso, questões conjugais.
— Acho que é um livro que prende bastante pela história do crime. Desde o início, a gente sabe que aconteceu alguma coisa, e entende-se que o pai dela foi acusado, mas no início a gente vê que eles são amigos. Então, como é que chegou nesse ponto? A coisa vai se revelando — aponta Carol.
Como um bom romance policial — com um misto de coming of age, gênero que retrata o amadurecimento de um personagem —, o livro soluciona o mistério apresentado. Assim como em outras obras da autora, a música também surge como um elemento na narrativa, por meio do qual Cecília se relaciona com seu irmão mais velho, um adolescente descobrindo o universo das bandas dos anos 1980.
Além do crime, a história reflete sobre a natureza. O título Diorama vem do nome dado às representações de museus que reconstituem hábitats naturais com animais empalhados. O livro é marcado ainda por questões de sexualidade, relações estilhaçadas, segredos e feridas que nunca cicatrizam, mostrando, de maneira sensível, as marcas deixadas em famílias desfeitas pelo crime e pelo preconceito.
Vários elementos peculiares da investigação do caso Daudt também servem como base para a ficção: uma testemunha surda-muda e analfabeta; uma vítima com inimigos; a amiga com quem o finado jantou na noite do crime; fitas que foram encontradas. A escritora buscou ainda reconstituir o Brasil dos anos 1980, atormentado pela hiperinflação.
— Várias coisas que ficaram muito no imaginário da cidade sobre esse caso estão ali — afirma a escritora porto-alegrense.
Carol tinha seis anos em 1988, época do crime — um dos casos não resolvidos mais famosos de Porto Alegre.
— Eu não tive contato com o caso no ano em que aconteceu, porque eu era muito criança, mas lembro de depois esse caso ser muito citado. E acho que, como todo mundo, eu tenho uma atração por essas coisas de crimes não resolvidos, sobretudo quando envolve política, poder, e tem vários aqui em Porto Alegre — pontua.
O assassinato de José Antonio Daudt, que permeia o imaginário popular desde a década de 1980, era o que mais fascinava a autora, pelos diversos elementos a serem explorados.
Carol levou quatro anos para conceber Diorama: dois anos de pesquisa sobre o caso e outros elementos da narrativa, como taxidermia, história natural e características de Porto Alegre nos anos 1980, e outros dois anos escrevendo a narrativa.
— É com certeza o meu livro mais envolvente, tem muitas coisas acontecendo e muitos mistérios, histórias em suspenso que vão se abrindo, e um retrato dessa Porto Alegre dos anos 1980, que também tem um pouco a ver com a música. Esse rock soturno dos anos 1980 está um pouco misturado com essa minha ideia de Porto Alegre, sempre meio noturna, misteriosa e bastante violenta — ressalta Carol.
Próximos passos
A autora atualmente está radicada em Mendocino, na Califórnia, uma cidade de meros mil habitantes onde buscou refúgio do caos da metrópole junto à namorada. Ela divide os dias entre a natureza (com canoagem e caminhadas pela floresta e à beira-mar) e o trabalho em casa, em uma cabana em meio à floresta — e, tendo descoberto o "seu lugar", não cogita voltar a viver no Brasil.
Além de escritora, Carol é tradutora e ministra cursos sobre romance. Entre novas turmas, traduções e contos para escrever, sua agenda segue cheia de planos até novembro. A escritora adianta que, no futuro, gostaria de explorar mais a não ficção e o ensaio — mas, por ora, seu foco está no novo livro.