Um escritor pode ser grande sem ser imediatamente reconhecido como tal? Pode. Pode mesmo manter-se inédito até a idade madura e publicar esparsamente, avaramente, e mesmo assim ser um grande.
O leitor vai logo dizer que se trata de saber o que é “grande”. (Muitos anos atrás eu mesmo fui muito ironizado por ter escrito que há sim diferenças entre o grande escritor e os demais.) Eu sei que é matéria para discussão, critério nada pacífico. Grande pode ser um autor de obra vasta, mas tamanho não é documento no caso. Mais certo é conceber o grande como aquele que consegue adensar a linguagem, tornando-a capaz de feitos até ali impossíveis.
Indo logo ao ponto: um grande (e discretíssimo) poeta que vive aqui na vizinhança lança seu segundo livro comercial. Ele é Paulo Neves, tradutor, que em 2006 havia lançado uma joia chamada Viagem, espera, seu primeiro livro de poesia, e agora lança rio linguagem (editora 7 letras).
O livro tem já dois anos de pronto, mas a pandemia o encapsulou, como a tanta outra coisa boa que precisamos embretar. E agora, quando começa a circular, por certo vai mostrar sua força. Há poemas com cara de poemas, há momentos de prosa tirada do mesmo caldeirão da poesia, há reflexão breve sobre a linguagem, há fragmentos de diário meditado. Um poema sem título, por exemplo, se desenrola em quartetos que vão captando algo do Guaíba, esse aí que conosco convive meio invisível, até o momento final: “rio guaíba rio biguá / rio de repouso e asa / rio sonoro silencioso / rio palavra seio água”.
Uma apresentação mais linear deverá dizer que o livro tem seis seções, seis núcleos temáticos e formais: “No limiar”, com muitas reflexão e algum êxtase em torno da linguagem; “Caderno azul”; “Fragmentos do litoral”; “Diário de verão”; “Mosaico”; e “Poemas avulsos”. Em todos eles, uma voz, quer dizer, uma linguagem serena a expor um jeito zen de encarar a poesia e, atrás dela, a vida mesma.
Uma joia, um presente, uma companhia de primeira.
PS: Nesta terça-feira (23), às 19h, na Sala Araucária do Centro Cultural da UFRGS (Rua Eng. Luiz Englert, 333), o Marcos Lacerda e eu estaremos lançando duas coletâneas de figuras destacadas na reflexão sobre a natureza e o papel da canção, pelas editoras Hedra e Acorde!. O Marcos organizou o livro com textos do Luiz Tatit, e eu aquele sobre a visada do Mário de Andrade. Promoção do Núcleo da Estudos da Canção, da UFRGS.