Semana passada a inteligência universitária gaúcha foi atropelada pela notícia do encerramento das atividades de mais de uma dezena de programas de pós-graduação na Unisinos. Quanto custa construir um patrimônio relevante num programa desses? Muita gente titulada, com pesquisa continuada, se organizando para oferecer ensino para as novas gerações, com financiamento por órgãos federais e estaduais, mais os fundos da própria universidade.
Construir algo relevante nesse patamar é coisa para décadas; para destruir, basta um governo anticiência, anti-intelectual e golpista como o atual. (Ajudado por empresas de ensino a distância orientadas apenas pelo lucro, ao contrário das universidades comunitárias, de que o Rio Grande tem exemplos excelentes, incluindo a Unisinos.)
O Brasil depende tanto de financiamento público porque assim foi a história da universidade e da pesquisa entre nós, bem diversa do que ocorreu nos Estados Unidos, onde gente muito rica legou fortunas para construir universidades. O que fazem com seu dinheiro sobrante os ricos locais, para o bem da sociedade como um todo?
Mas o espaço é também para falar de coisa boa, e aqui vai uma: o livro Porto Alegre 250 Anos – De uma Vila Escravista a uma Cidade de Imigrantes (Séculos XVIII e XIX), da editora Oikos (com apoio da Capes e do PPG História da UFRGS), organizado por Fábio Kühn e Ana Sílvia Volpi Scott. Excelente exemplo de pesquisa profissional, feita por gente treinada em alto nível, que desbrava o passado pela leitura crítica e sofisticada de documentos que até aqui dormiam em prateleiras empoeiradas.
São 15 capítulos, que começam com um excelente panorama de Charles Monteiro, especialista no tema, que repassa os modos como a história da cidade foi sendo contada, por amadores, cronistas e historiadores, ao largo do tempo. Vale conhecer o capítulo sobre a Santa Casa, instituição que foi muito mais que hospital e casa de órfãos, já que funcionou como banco por muito tempo.
Há ótimos capítulos sobre a face local da escravidão. Ficamos sabendo que entre 1782 e 1802 por volta de 60% dos domicílios porto-alegrenses eram escravistas. E que também forros (gente escravizada que obtinha alforria) eram proprietários de escravizados, caso de 12 domicílios em 1782 (tudo isso conforme o Rol dos Confessados, documento da burocracia católica do tempo).
Nosso passado fica mais nítido com o trabalho acadêmico, que ilumina o presente e o futuro.