Entre as várias ideias que acalento, para um dia desenvolver por escrito, está uma aproximação entre Caetano Veloso e o pensamento filosófico. Não sou nem músico, nem filósofo, o que me livra de precisar argumentar com as categorias e limites dessas duas imensas áreas, embora igualmente me prive de suas virtudes.
Há ao menos um livro que aborda o tema — Caetano e a Filosofia, com organização de Sérgio Schaefer e Ronie da Silveira (edição da Unisc, aqui de Santa Cruz, e da editora da Federal da Bahia). São artigos de gente profissional da Filosofia, papa fina. Já o meu caso é mais singelo: há tempos me ocorreu que o jeito de ser da canção do Caetano (melodia, harmonia, ritmo, letra, interpretação, astral, tudo) tem sérias afinidades com os chamados Pré-Socráticos. Lembra deles? Tales, Parmênides, Heráclito, Demócrito.
Dá pra escalar mais de um time de futebol com os nomes. A dialética aguda, como aquela do “entramos e não entramos nos mesmos rios, somos e não somos”, que o Heráclito lançou, é a cara do Caetano, não é?
Um livro relativamente recente, que me foi indicado pela amiga Katia Suman, abre mais horizontes para esse tema. Se chama Caminhando Contra o Vento, foi editado no Brasil pela Buzz e pela Nós, e a autora é uma italiana chamada Igiaba Scego (seus pais foram da Somália para a Itália). O lindo do livro é sua pessoalidade extrema: a autora quer falar do seu Caetano, do Caetano dela.
O ponto de partida é trivial — uma hashtag, #caetanodecueca. Para ela, o baiano é “um guru, um pai de santo da música, o amigo que nos dá consolo”; “um homem honesto, transparente, simples, rebelde”. Caetano fez 80 anos, e nós todos sabemos (“nós todos” quer dizer os habitantes da nossa bolha) a força de sua canção. Igiaba Scego repassa sua relação com a obra do grande cancionista, indo à biografia, depois desviando para sua visão de mundo, em todos os casos evocando passagens de sua obra cancional.
Há passagens de clara superestimação e algumas de distorção, que têm a ver com a distância da autora em relação ao cotidiano brasileiro, mais do que de alguma carência de informação. E há uma ideia-força que dá bem a medida da originalidade e da pertinência da análise — para a autora, filha de migrantes, a obra de Caetano é (esta síntese é minha, mas está lá no livro de forma diluída) uma leitura do mundo para gente que o está descobrindo. A luz que Caetano lança sobre as coisas, pessoas e experiências que aborda tem algo do frescor da primeira visão.