Duzentos anos atrás, em maio, nascia um Johann Georg Klein, numa aldeia que hoje é parte da Alemanha. Acontecimento sem transcendência maior, como qualquer outro nascimento. (Em setembro do mesmo ano, ocorreria o episódio que marcou a Independência do Brasil.)
Este sujeito teve a chance de estudar, a ponto de, aos 16 anos, conseguir escrever um tratado sobre a Bíblia. Um feito notável para sua idade e para sua formação. Luterano, este pretensioso Klein viria a se tornar professor de escola elementar. Mas aos 30 anos, 1852, ele resolve emigrar para o Brasil, no rastro de parentes próximos seus que já viviam na ponta sulina do novo país. Abandonava a região do Reno para viver na região do Sinos, carregando aquele estudo manuscrito.
(Em 1852, saía em folhetim, no Rio de Janeiro, Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Em Porto Alegre, começava a circular o primeiro jornal em alemão, Der Colonist, porque havia leitores dessa língua em volume já considerável.)
Klein, com seu trato intelectual requintado para o contexto, veio a ser cunhado da Jacobina Maurer, a figura central da chamada guerra Mucker. Foi considerado pelas autoridades como o cérebro daquele episódio, vindo a ser processado e, após muitos percalços, inocentado.
Evoco aqui essa história impressionante para mencionar Escritos Perdidos – Vida e Obra de um Imigrante Insurgente (Johann Georg Klein – 1822-1915), de João Biehl e Miquéias Mügge, que será lançado em agosto pela editora Oikos, de São Leopoldo. Os autores, antropólogo e historiador respectivamente, nascidos no mesmo mundo do Vale do Rio dos Sinos, são professores em Princeton, EUA. No livro, repassam a trajetória e o contexto dessa impressionante trajetória com delicadeza e precisão, numa narrativa que mantém o encanto digamos romanesco do caso mas sempre controlando as rédeas analíticas do mundo retratado.
O livro traz também a tradução daquele manuscrito, chamado Vom Katechismus, feita por Johannes Hasenack. Para além da visão de mundo do jovem Klein, é comovente acompanhar um dicionário tentativo que ele foi fazendo nas margens do próprio manuscrito. Ele ia aprendendo o português e anotando, organizadamente, em seções divididas entre “Coisas da escola”, “Coisas na casa”, e bem assim coisas no ar e na água, coisas de pau e de couro.
O excelente livro de Biehl e Mügge é precioso por nos devolver um cotidiano ao mesmo tempo remoto e povoado de sonhos e pesadelos iguais aos que acontecem na vida de qualquer um de nós.