Faz 30 anos que inventamos um curso para alunos de graduação em Letras na UFRGS, com vagas também para alunos de humanidades, artes e comunicação, sobre canção popular. Foi um movimento de certa forma óbvio para mim e a minha geração: nossa educação sentimental foi feita pela canção, pelas letras e melodias, pelos arranjos, pelas interpretações, pelo destaque que ela teve em nossa vida. Muito mais do que a poesia e o romance, fomos formados pela canção e pela telenovela — nosso mundo lírico e nosso mundo narrativo.
De forma que admitir na universidade uma área de estudos sobre a canção era meio que óbvio — e temos orgulho de haver incluído a obra de cancionistas entre as leituras obrigatórias, antes de qualquer outra universidade brasileira. (Para quem se interesse, Guto Leite e eu organizamos um livro contando esse processo: O Alcance da Canção, editora Arquipélago.)
De lá para cá, muitos TCCs, depois dissertações e teses, apareceram, estudando esse rico material, que remonta ao menos ao começo do século 20. Foram já cinco ou seis gerações de cancionistas, alguns geniais; sem ir mais longe, sirva de exemplo a geração que agora completa 80 anos, Caetano, Chico, Paulinho da Viola, Gil, Roberto Carlos, assim como os que ficaram pelo caminho, Tim Maia, Gonzaguinha, Raul Seixas. Gente de alta qualidade, que nos ensinou a entender o mundo.
Claro que logo aparece uma falta nessa conta: e as mulheres? Ao lado de intérpretes sensacionais que não param de surgir em todas as gerações, não há compositoras? Onde estão elas? Nessa geração surgida nos anos 60, além de Rita Lee, quem mais?
Eis que saiu agora um livro de alto interesse justamente sobre o tema: A Mulher na Canção — A Composição Feminina na Era do Rádio, de Denise Mello (editora Machine). Não é uma enciclopédia, porque tem foco no tempo anterior à televisão, e por isso a pesquisa vem até os anos 1950. Mas é precioso o material: cada uma das compositoras estudadas ganha biografia, análise de canções, comentários sobre a trajetória.
Começa com Maria Firmina dos Reis, em meados do século 19, porque a romancista também compôs canções. E vem até a geração de Dolores Duran, um grande talento.
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Vai também o meu lamento pela morte de David Coimbra, no ápice de sua carreira. Grande talento para o comentário rápido da crônica, ele inventou um IAPI ficcional que passa para o território da literatura, quer dizer, da lenda da cidade.