No final de 2022, a coluna registrava a enorme movimentação musical, talvez como resultado da demanda reprimida pela pandemia nos anos anteriores. Mas o que dizer deste 2023 e sua inédita pressão por espaços de divulgação para tantos shows e discos? Uma pesquisa rápida na coleção de ZH e em meu arquivo de e-mails revela mais de 800 espetáculos musicais no ano em teatros, auditórios e casas noturnas de Porto Alegre – só em novembro foram cerca de 150! Comentei 76 álbuns, entre físicos e digitais. Dos digitais, muitos ficaram para trás. Dos físicos, ainda devo ao leitor os recém-lançados CDs históricos de Edu Lobo e Hermínio Bello de Carvalho, entre outros.
Resolvi destacar aqui 12 álbuns representativos da produção musical gaúcha, cada vez mais rica e diversificada – apenas uma escolha, outros tantos poderiam entrar. Mas este foi um ano marcante por outros lados também, como o dos documentários musicais. Assistimos a belos filmes sobre Plauto Cruz, Elis & Tom, Gal Gosta, Tangos & Tragédias, o Clube da Esquina.
Como prova de que a memória está vivíssima, os reencontros dos Almôndegas e dos Titãs lotaram duas noites cada o Auditório Araújo Vianna, hoje o principal palco de Porto Alegre. Por outro lado, em 2023 esta coluna completou 10 anos – que, somados aos 23 anteriores (1973-1996), dá 33, número cabalístico...
Álbuns gaúchos que marcaram 2023
Mentis Natura, do Antonio Flores Quarteto
Primeiro disco do guitarrista que já tem sólida bagagem e pode ser considerado uma das revelações do jazz brasileiro. Melodias e arranjos inspirados, bebop e cool jazz de primeira. (Musikdomo)
Banquete, de Antonio Villeroy
Gravado entre Porto Alegre, Nova York, Roma e Lisboa, com balada, bossa, choro, jazz e vários convidados especiais, este 14º álbum é o passaporte internacional do cada vez melhor cantautor. (PicMusic)
Variações - Porto Alegre 2023, de Egisto Dal Santo
Variações – Porto Alegre 2023, idealizado e produzido por Egisto Dal Santo. São 10 bandas do novo (e diversificado) rock gaúcho, entre elas Besixdouze, Trick’n’Roll, Volutta, Pietá & Benedyct, Alemão Abstrato. (Purnada y Pranada)
Tetein, de Ian Ramil
O terceiro álbum mantém a potência sonora e a barra contestatória de Ian, mas a chegada da filha trouxe uma sensibilidade diferente. Ele está cantando muito, com ótimos arranjos e músicos sublinhando seu hard-pop. (Independente)
8, de João Maldonado
Um dos mais solicitados pianistas do jazz de Porto Alegre, em seu terceiro disco ele mescla composições próprias e clássicos – como Witch Hunt, autorizado por Wayne Shorter pouco antes de morrer. (Independente)
Guaipeca, de Leandro Maia
Letras que surpreendem, ricas melodias, arranjos envolventes, blues, baião, chote, milonga etc. Parceiros como Jerônimo Jardim e Ronald Augusto. Qualidade e novidade no quarto disco de Leandro. (Independente)
Balanço Diferente, de Lucian Krolow
Grande flautista, surgiu em meio à nova cena do choro de POA. À frente de impecável conjunto, este primeiro disco solo afirma o talento em músicas próprias e de “gente” como Pixinguinha... (Independente)
2020, 2021, 2022, de Luciano Albo
Trata-se de um libreto de 16 páginas, em que o novo álbum, Te Vejo Depois, está ao lado de singles, EPs e um álbum ao vivo, tudo em códigos QR + fotos. Albo é um verdadeiro eixo do pop rock gaúcho. (Independente)
Torre de Reposição, de Mathias 7 Cordas
Outro da nova (anos 2000) cena do choro, Mathias é bamba como violonista, líder de grupos e professor. Neste segundo álbum, ele canta e encanta, feito uma mescla de Lupicínio e Paulinho da Viola. (Independente)
Jogo de Peteca, de Paulo Dorfman e Pedrinho Figueiredo
O piano de Paulo é ouvido em jazz e bossa desde os anos 1960. Desde os 1980, Pedro está em todas com flauta e o sax. Aqui são 12 choros deles, em puro encantamento. (Fumproarte)
Terra Gêmea, de Sandro Souza
Cosmopolita sem deixar de cantar a aldeia, neste quarto álbum solo Sandro vai com força numa MPB que inclui a milonga. Letras atuais incisivas, políticas. Entre os convidados, Hique Gomez. (Funcultura NH)
Os Versos por Dentro, de Zé Caradípia
Oitavo disco em 40 anos, pela primeira vez ele grava só músicas com letras de outros – Raul Boeira e Márcia Barbosa. E é ótimo! Voz leve em samba, bossa, jazz, arranjos de Marcelo Corsetti. (Independente)
Lupicínio e o rock gaúcho
Neste ano, fiz a resenha de 14 ótimos livros sobre música. Aqui, dois destaques especiais.
Lupicínio – Uma Biografia Musical, de Arthur de Faria
Depois da biografia de Elis e do primeiro volume de Porto Alegre – Uma Biografia Musical, mais um brilhante trabalho do incansável Arthur. Trata-se da primeira grande biografia de Lupi, talvez a definitiva, pois dificilmente alguém reunirá tantas informações e histórias sobre o mais célebre e nacional compositor gaúcho, deliciosamente contadas em 374 páginas. (Arquipélago Editorial)
100 Grandes Álbuns do Rock Gaúcho, de Cristiano Bastos e Rafael Cony
Verdadeira enciclopédia não só do rock gaúcho como da música pop/urbana produzida no RS em 50 anos. Na verdade, mais de 500 álbuns habitam as 308 páginas da histórica, impecável edição colorida recheada de ilustrações e textos extras sobre fitas cassete, álbuns coletivos, discos ao vivo, mulheres na música, música negra e mais, e mais. (Nova Carne Livros)