Durante a infância, Chico Buarque era um dos artistas da MPB que Mônica Salmaso ouvia e acompanhava cantando afinadamente. A menina colocava o disco na vitrola e soltava a voz. Não passava pela sua cabeça ser cantora, mas ela demonstrava facilidade em cantar. Impressionava nas rodas de violão. Era algo que lhe trazia satisfação. Sentia-se feliz.
Hoje, toda vez que sobe ao palco, a plateia é presenteada com sua voz grave e aveludada. Ouve-se a combinação de domínio técnico e brejeirice. Uma cantora sofisticada e de interpretações graciosas, com repertório eclético.
Embora tenha emergido na cena musical nos anos 1990 e trilhado um caminho independente, sem nunca ter recebido maior exposição, é apontada como uma das grandes vozes da música brasileira – naquela prateleira próxima de nomes como Elis Regina e Maria Bethânia.
Em estúdio ou na estrada, Mônica vive, aos 51 anos, um 2022 bastante agitado. Natural de São Paulo (SP), ela lançou seu segundo disco do ano na última quarta-feira (26), intitulado Milton.
Na próxima semana, apresenta-se com Chico Buarque em Porto Alegre, de quinta-feira (3) a sábado (5), no Auditório Araújo Vianna.
O começo
Embora tivesse um evidente talento para a música desde muito jovem, Mônica decidiu prestar vestibular para Jornalismo. Matriculou-se em um cursinho e viveu um período o qual descreve como “insuportável”. Detestava estar em uma sala sem janelas com dezenas de pessoas, tendo um professor tocando giz e falando coisas para que a turma decorasse — compara com um purgatório.
Até que se inscreveu na aula de canto da escola Espaço Musical, em São Paulo. Ao conhecer sua professora, que também trabalhava cantando, deparou-se com uma pessoa normal. Não era uma estrela com toda pompa e glamour.
Aquilo a surpreendeu: não sabia que existia essa profissão fora da televisão ou do rádio. Descobriu que havia a possibilidade de viver de música. Percebeu ali o que queria ser. Então, largou o cursinho e deu início à sua estrada.
A família
Em sua trajetória para além da música, Mônica se casou com o flautista e saxofonista Teco Cardoso, com quem teve Theo, 15 anos. A artista diz que sua demanda de shows e discos chegou num momento adequado, com o filho já adolescente. Na última vez em que realizou uma turnê longa como a de agora, o menino tinha três anos.
— A gente enfiava o Theo embaixo do braço e levava para todo canto. Eu brincava: “Garoto milha”. Agora não é mais assim. Teve um período que ele já não era mais “carregável”, mas também não tinha tanta autonomia — recorda. — Ele se emancipou muito. Posso voltar a fazer esse tipo de trabalho e pilotar as coisas a distância.
A cantora se tornou mãe aos 36 anos. Era um momento da vida em que ela começava a achar que talvez isso não fosse acontecer mais. Quando Theo nasceu, Mônica já tinha a carreira consolidada, e reflete que seria diferente ser mãe muito mais jovem, enquanto as coisas ainda estavam se desenrolando na trajetória musical.
— Eu já tinha um trabalho, uma vida, uma estradinha no chão, e aí fui mãe. Ao mesmo tempo, vivi isso de forma separada. Vivi a maternidade concentrada na maternidade — ressalta.
Ser mãe mudou sua percepção não só sobre a vida. Mônica passou a dizer “não” para coisas que não diria antes.
Era uma pessoa que tentava abraçar tudo, não queria perder nada. E, de repente, tinha um bebê em casa. Começou então a pesar a ideia de sair do lar, de perto do filho. Percebeu que, muitas vezes, não valia a pena.
A maternidade também mudou sua percepção sobre o tempo. Antes de Theo, ela não o via passar. Sua vida era inconstante, saltando de cidade em cidade.
— Quando o Theo chegou, foi impressionante. Como eles têm uma linha do tempo! Marca quando começa a comer, a andar, a falar, vai para a escola etc. O tempo de crescimento do filho cria isso nos pais também. Tenho um amigo que diz que quando a gente tem filho, as coisas vão para o lugar certo — reflete Mônica.
Milton
Antes de se dedicar ao lançamento do álbum Milton, Mônica trabalhava Canto Sedutor, desde maio, ao lado do cantor e violonista Dori Caymmi (filho de Dorival). Já o disco mais recente foi realizado com o pianista André Mehmari, parceiro de longa data, trazendo 11 releituras de canções de Milton Nascimento.
O trabalho surgiu em meio a um senso de urgência na pandemia. Ambos sentiam falta de poder encontrar as pessoas e fazer música. Os dois então se reuniram durante o período de isolamento para gravar Quarentena, que foi veiculado no YouTube. No repertório estava Morro Velho, composta por Milton Nascimento. Logo, sentiram o anseio de lançar canções do Bituca.
Mônica sempre apreciou projetos fechados em um assunto, principalmente em um compositor ou artista, seja para shows ou discos. Seu álbum de estreia, Afro-Sambas, lançado em 1995, conta com composições de Baden Powell e Vinicius de Moraes. Já Noites de Gala, Samba na Rua, de 2007, tem como foco as criações de Chico Buarque.
Para Milton, ela pinçou músicas como Paula e Bebeto, Milagre dos Peixes e Canção Amiga, entre outros clássicos. Por conta do entrosamento e do tempo de estrada, a cantora e o pianista gravaram todas as faixas em um único dia. A ideia da dupla é ampliar essa parceria, levando o repertório para a estrada.
— Havia um desejo enorme de falar desse Brasil do Milton, uma vontade absurda de voltar para essa identidade — descreve Mônica. — Há um serviço que essa voz presta, que carrega em si a identidade do país. Uma fé no Brasil. Não é só o timbre, mas também a composição e as letras, tudo isso aborda nosso Brasil muito profundo. Milton Nascimento nos coloca nesse lugar. É uma voz de terra-mãe.
Por enquanto, Mônica segue acompanhando Chico Buarque na turnê Que Tal Um Samba?. Embora já houvesse gravado canções do músico e participado de seu disco Carioca, de 2006, suas relações com ele só foram mesmo estreitadas no decorrer da pandemia.
Em 2020, Mônica convidou o artista para o projeto Ô de Casas, em que ela produziu vídeos cantando a distância com diferentes nomes da MPB. Na ocasião, os dois interpretaram João e Maria. A partir dali, passaram a trocar e-mails, geralmente sobre vídeos do projeto. “Ó, saiu aqui um pão quentinho”, brincava ela. Logo, o músico quis Mônica na turnê. Aliás, é ela quem abre seu show, interpretando seis músicas de Chico e, ao longo do espetáculo, faz duetos com ele.
Mônica não se cabe de felicidade ao dividir os palcos com Chico Buarque pelo Brasil. Para ela, o convite para participar da turnê foi absolutamente inesperado.
— Já brinquei: nem alucinando muito eu poderia sonhar com um convite desses — celebra. — Ao ouvir Chico ainda na infância, eu escutava músicas de densidades e assuntos os quais não era nem capaz de entender. Mas, de alguma maneira, aquilo contribuiu para a minha formação emocional.