Há um poema de Adélia Prado que diz que “mulher é desdobrável” — frase que a escritora gaúcha Letícia Wierzchowski pega emprestada da mineira para explicar um pouco sobre sua personalidade multifacetada. Sua versão mais conhecida talvez seja a de autora de A Casa das Sete Mulheres, romance que completa 20 anos de lançamento neste 2022 e no qual narra a guerra particular travada por personagens femininas durante a Revolução Farroupilha. A trama deu origem à série de mesmo nome, da TV Globo, em 2003, e representou um momento de efervescência em sua carreira.
Mas os lados menos conhecidos também são importantes na sua formação enquanto indivíduo, como é o caso da Letícia “rata de academia”, que usa o treino para manter corpo e mente em forma.
— Sou regrada e faço exercício todos os dias, mesmo que tenha que levantar às 5h. Isso me dá a mesma resistência de que preciso para fazer um romance ou roteiro. Preciso de fôlego e de músculos para chegar até o final — afirma.
O ano de 2022 é o qual a profissional metódica se mostra: em agosto, lançou o livro Deriva e, no próximo dia 27, apresenta Amanhã Será um Dia Melhor, obra que tem o câncer de mama como pano de fundo. De quebra, encaixou na rotina a produção de dois roteiros.
Ao longo desta entrevista, também se apresentam os vieses de mãe, de empreendedora e de artesã nas horas vagas. Para seguir na linha do número cabalístico na vida da autora, conheça, a seguir, as sete faces de Letícia Wierzchowski.
1. Escritora
Quem é Letícia Wierzchowski?
Sou tudo. Mãe, dona de casa, esportista, escritora, roteirista, professora de escrita criativa, geminiana, mulher feliz que sai, namora, se diverte. Faço muitas coisas. Para ter ideia, estou lançando dois livros que, em parte, são resultado do tempo em que fiquei sem lançar durante a pandemia, mas produzindo muito.
Também acabei de terminar um roteiro sobre a história de Maria Bonita, a primeira mulher do Cangaço. E outro roteiro baseado num romance de Anna Mariano, que quem vai dirigir o filme é o Thiago Lacerda, com assessoria do Werner Schünemann.
Seu novo livro fala sobre câncer. De onde vem essa história?
Era março de 2021, recebi essa solicitação de mensagem no Instagram:
“Estimada Letícia. Admiro demais seu trabalho. Perdi minha esposa há pouco e tive com ela dois gêmeos de um ano e sete meses. Vivemos uma verdadeira história de amor e tenho tudo documentado, desde o primeiro dia em que começamos a conversar. Gostaria de escrever um livro (...)”. Quando li aquilo, me arrepiei toda. Me dispus a escrever depois que o Alberto veio à minha casa e contou pessoalmente a história de amor que ele viveu com a sua esposa, Vanise. Tudo acabaria na morte, mas decidi reescrever.
De alguma maneira, isso nos ajuda a corrigir os erros da vida real, sabe? Quis mostrar que a vida comum, cotidiana, é um presente e temos que vivê-la com plenitude. A gente não deve ficar sempre jogando a nossa felicidade para adiante.
Você estava preparada para o sucesso estrondoso de A Casa das Sete Mulheres?
Tinha 29 anos quando a série foi gravada, com base no meu quinto livro. Quando escrevi, pensava “quem vai querer ler esse livro? Parece um tédio!”. Mas a editora achou maravilhoso e, após um mês do lançamento, a Globo me ligou. Como lancei em 2002 e a série estreou em 2003, as pessoas achavam que eu tinha feito sob encomenda. Não, embora eu não veja problema nisso, viu?
A partir daí, foi impressionante. Parecia que eu tinha renascido. Passei a dar 15 entrevistas por dia. Aprendi que a minha história termina lá na página 500 e pouco e depois começa um outro universo narrativo, pois a dinâmica de uma série é muito diferente.
2. Profissional metódica
Como você organiza sua vida para produzir tanto?
Trabalho com metas pessoais, do tipo “tal dia tenho que ter chegado em tal parte da história”. E, se estou fazendo dois projetos ao mesmo tempo, me dedico a um de manhã, depois vou à academia treinar e resetar, e, à tarde, parto para a outra história. Também planejo muito, pois aprendi que é mais fácil ter bloqueio criativo se você não faz ideia do que fará amanhã.
O exercício me cura. E as histórias também.
LETÍCIA WIERZCHOWSKI
Escritora
3. Esportista
Qual é a importância de cuidar do corpo?
Sempre fiz muito exercício e isso faz com que eu crie um futuro melhor para mim. Meu corpo é meu maior ativo. Como vou escrever e estar bem se estiver toda quebrada? O exercício me dá saúde a ponto de que me sinta bem fisicamente, mesmo trabalhando bastante.
O que você faz para manter a saúde mental em dia?
Minha estratégia é fazer exercício, porque endorfina me faz bem. Nunca tomei remédio para ansiedade, depressão, nada. Quando me separei, que foi um período mais duro, lembro que ia nadar todos os dias. Às vezes, parava para tirar as lágrimas dos óculos de natação, cena de filme. E comecei a correr também. O exercício me cura. E as histórias também.
4. Artesã
Você tem algum hobby?
Fazer exercício. Mas quando estou com tempo sobrando, vou para a piscina nadar e tomar sol. Também tenho muitos amigos e sempre vou quando combinamos de sair. Gosto de fazer tricô e bordar, o que aprendi com a minha mãe. Quando estava escrevendo Deriva, comecei a decorar um sofá com flores que fui fazendo. Parece um sofá de Alice no País das Maravilhas. Sou uma inventora.
5. Empreendedora
Você está focada em uma nova forma de empreender, certo?
Estou abrindo um pequeno escritório com uma amiga, Mariana Abascal, chamado Sete Mulheres Bureau de Histórias. Como dou aulas há seis anos, tenho alunos que se transformaram em amigos e que trabalham comigo em projetos.
Juntei esse grupo que aprendeu a escrever conforme o meu jeito de contar histórias, para fazer livros para empresas e empresários.
6. Mãe
Você é mãe de dois filhos. Como criar dois homens em 2022?
Sendo feliz e rígida quando tenho que ser. Meus filhos foram criados para carregar as compras de uma senhora que estiver subindo a rua sozinha e para abrir a porta do elevador para uma pessoa com dificuldade. Crio com empatia e em meio a cultura. Tudo para que eles entendam que a gente é um elemento da comunidade. Tenho orgulho de dizer que meus filhos são educados, gentis e generosos, mas estou sempre em cima.
O que você exige de si?
Estar presente. Quando eles precisam de mim, seja para fritar um bife ou para ter uma conversa sobre terem ido mal na escola. Um dos grandes problemas da nossa sociedade é que as mães são muito sobrecarregadas, e eu também sou.
Mas tenho a vantagem de que meu trabalho acontece muito no ambiente da casa, então mesmo que esteja com três pessoas aqui escrevendo roteiro, posso virar para o lado e dizer “O que foi Tobias? Terminou o tema?”. É cansativo, mas estou presente, porque filho a gente não pode terceirizar.
7. Mulher 50+
Você se considera vaidosa?
Sim. Quando comecei a fazer sucesso, lembro que apanhei muito por isso. Um jornalista escreveu a seguinte frase a meu respeito: “Uma perua que escreve como uma empregada doméstica”, um show de preconceito. Também fui chamada de Letícia “Wierxoxoten”, brincando com o meu sobrenome.
No começo, até eu tinha aquela ideia de que o intelectual tem que vestir roupas fora de moda. Só que sou superpreocupada com a aparência, gosto de me sentir bonita e estar com o corpo em dia. São coisas que carrego e que hoje são motivo de orgulho.
Você notou alguma mudança com a maturidade?
Nunca me preparei para a chegada dos 50, porque, ao mesmo tempo em que me espanto com essa idade, também não dou a menor bola. Acho que essa coisa de “ageless” que só fala em idade não é “ageless”. Isso não me importa, sabe? Namoro homens mais jovens, vivo a minha vida e não estou nem aí. Não estou na menopausa, meus hormônios estão normais e não sinto muitas mudanças no corpo.
Cada vez mais, a gente está rompendo esse paradigma de que só a juventude é bonita. Me considero uma mulher de espírito jovem e o meu comportamento é melhor que o de muitas pessoas de 20 anos. Também sou cuidadosa com a saúde, me suplemento, vou ao médico com toda a constância, cuido da pele, tento fazer tudo o que posso para contribuir.
Que leitura você faz da sua vida e o que deseja para o futuro?
Sou uma brasileira como qualquer outra. Todo mundo tem boletos para pagar e o nosso país não está moleza. Mas me sinto realizada. Um exemplo foi ver, há dois meses, meu filho se formar com láurea acadêmica.
Falei para mim mesma: “Errei muito nessa vida, mas provavelmente acertei bastante também”, e essa sensação é boa, a de ver que tu destes o teu melhor e as coisas estão indo bem. Daqui para a frente, quero continuar assim, disposta, cheia de histórias para contar e vendo meus guris crescerem.