Na programação da Feira do Livro, a escritora gaúcha Letícia Wierzchowski autografa nesta terça-feira (13), às 19h30min, o livro O Menino que Comeu uma Biblioteca. A obra conta a história de um garoto polonês, durante a Segunda Guerra Mundial, que conseguiu sobreviver vendendo os livros de seu avô – que ressurge como fantasma para proteger o garoto.
Apesar de você tratar com frequência da imigração polonesa, este é o seu primeiro livro ambientado na Polônia. Outros elementos da sua obra também retornam nele. Você enxerga neste livro uma espécie de súmula da sua obra?
Parte do romance sobre o meu avô, Uma Ponte para Terebin (2005), se passa na Polônia, mas não é o cenário principal. De certa forma, é o primeiro livro em que vou para uma Polônia e me sinto solta lá. Peguei toda uma matéria que dominei muito bem para escrever Uma Ponte para Terebin, que eu estudei muito, para contar um romance histórico, e dei asas para a minha criatividade, ancorada nessa informação toda que sei da Segunda Guerra Mundial, como as coisas aconteceram, como era a resistência polonesa. Tudo isso vai traçar o destino desse personagem até ele parar lá no Uruguai, onde essa moça está esperando por ele. Essa narrativa tem a ver com as histórias que meu avô contava. Ele disse que um menino vendeu uma biblioteca inteira para poder sobreviver e essa história ficou muito marcada em mim. Então peguei como um ponto de partida para fazer essa grande alegoria sobre a literatura, esse exercício da alteridade. No livro, o protagonista vai ficar amigo de um inimigo. Lá pelas tantas, vai chegar um oficial nazista nessa cidade, ele está na máquina nazista porque era um alemão, porque foi arregimentado, tinha que ir. E ele vê esse menino vendendo livro na Polônia e começa a comprar dele, e esse oficial vai ficar amigo e vai acabar salvando a vida desse menino. É um pouco uma alegoria de que a literatura nos salva, nos aproxima e nos iguala, em um momento em que as pessoas andam tão intransigentes, não conseguem se colocar no lugar do outro. Se lessem um pouco mais ficção, talvez conseguissem.
Chama a atenção que a estrutura de capítulos segue os arcanos maiores do tarô. Você já era iniciada nessa arte?
O tarô é algo sensacional para o autoconhecimento. Eu não sou uma taróloga, eu brinco, para mim mesma. Quando fui escrever a personagem, comprei um monte de tarô para ver qual o tarô eu iria usar no livro. Queria fazer essa personagem que errava, que acertava... Dependendo do que vai acontecer no capítulo, escolho um arcano, existe uma lógica que o leitor vai intuir. Um dia eu estava com todos esses tarôs abertos no chão e o meu filho entrou e perguntou o que era, ele tinha uns seis anos. Eu disse que era um jogo que responde perguntas feitas pelas pessoas. Ele pediu para jogar, embaralhou e cortou em três. Daí ele fechou os olhos e perguntou: “Quantas sementes tem uma laranja?”. Quando ele virou a carta, tinha um oito: “Oito sementes”. Desde então ele passou a contar as sementes das laranjas. Se a laranja tem sete, ele diz: “Mãe, esta laranja está errada”. Nunca alguém foi tão bem resolvido pelo tarô (risos).
Os elementos da II Guerra e um jovem protagonista lutando para sobreviver de livros dialogam com A Menina que Roubava Livros, de Markus Zusak. Foi proposital?
Demorei muito tempo para finalizar o livro. Quando estava começando a escrever essa história saiu A Menina que Roubava Livros, lembro que fiquei em pânico. Daí fui ler e vi que, apesar de ter essa relação da literatura com a guerra, não tinha nada a ver com o que eu queria falar. Os livros poderiam ter uma interlocução, mas não eram a mesma coisa. No meu livro tem um fantasma: o avô morre e volta para a biblioteca e é ele quem vai ajudar o menino a sobreviver. Porque, por ele ser um fantasma, ele tem uma percepção de coisas que uma pessoa viva não tem. Ele intui que, em algum lugar, alguma coisa pode acontecer. É a ligação com o impalpável.