Quando recebeu uma ligação de um número de telefone com prefixo 21 informando que tinha sido escolhida para receber uma visita do escritor Fabrício Carpinejar para autografar seu exemplar de Cuide dos Pais Antes que Seja Tarde, a terapeuta ocupacional Cleisiane Parussolo pensou que era um trote. Mesmo tendo enviado um e-mail para concorrer a um autógrafo a domicílio, Cleisiane não imaginava que seu relato seria selecionado.
A mensagem de Cleisiane, contando como soube do livro, da perda do pai, vítima de câncer, e do uso de passagens do livro no seu trabalho com idosos extrapolava o “resumo em poucas linhas” sugerido pela editora Bertrand Brasil para participar da seleção para as duas visitas em Porto Alegre, ocorridas na última segunda-feira (5).
Também selecionada na promoção, a maquiadora Andrea Garcia enviou um e-mail curto, sem pretensão de ser a escolhida. Em comum às duas mensagens está a emoção da lembrança de pai e mãe falecidos, com quem as leitoras se orgulham de ter cultivado afeto e atenção.
Acompanhada da sogra, Lúcia Tanara, que faz aulas de escrita criativa e não queria perder a visita do escritor, Cleisiane esperou com um café da tarde, com direito a bolo e muitas histórias sobre o pai, que faleceu aos 84 anos de um câncer de pâncreas descoberto 25 dias antes, há pouco mais de um ano. Ele nunca perdeu o humor, contou a terapeuta ocupacional. Já doente, fez questão de mudar todos os documentos para constar o Ç no lugar do S em seu nome, erro de registro que ele antes rejeitava e assinava como Nelson.
– Ele disse: “Agora eu sou Nelçon com cedilha”. Era uma piadinha dele – conta Cleisiane, que mora a três quadras da casa dos pais, com quem sempre conviveu muito.
Sobre Fabrício, ela diz que o autor “é muito de casa”, chegou como se fosse um velho conhecido que veio para colocar a conversa em dia.
– Isso é uma experiência que se abre para novos textos. Ouvindo a história dela, tentando entender como ela funciona, como ela me leu, o que ela tem de história, o quanto ela se esforça para viver o luto, isso é uma forma de transgredir pelo afeto, me dá outra responsabilidade – avalia Carpinejar, acrescentando que é impossível conhecer os leitores nos rápidos minutos em que cada um é recebido em uma fila de autógrafos.
Sai a dor da perda, entram saudade e lembranças
Cleisiane se identifica com o desejo do autor em ver no outro o efeito do seu trabalho.
– Quero que as pessoas que atendo tenham as vidas delas modificadas pelo que fiz – afirma a terapeuta, que transformou a dor da perda em saudade e lembranças que carrega diariamente, sem qualquer tipo de culpa, já que sempre esteve junto do pai, não apenas na enfermidade.
Andrea estaria de folga do trabalho na segunda-feira, mas foi ao local para receber o autor. Assim que chegou ao salão de beleza e descobriu a profissão da leitora, Carpinejar deitou na poltrona reclinada para as clientes de maquiagem e, como uma espécie de divã confessional, ouviu as memórias de Andrea sobre sua mãe, falecida há 25 anos.
– Teu livro me trouxe tanta lembrança da infância, dos banhos de chuva, de quando a mãe tocava violão e o pai gravava... A memória foi vindo durante a leitura, coisas que eu não lembrava – revela Andrea, que se emocionou ao recordar o trecho do livro em que Carpinejar lista as qualidades de sua mãe, a poeta e patrona da 64ª Feira do Livro, Maria Carpi.
Andrea diz que, mesmo depois de tanto tempo, a mãe ainda a visita nos sonhos, em que ela consegue sentir até o perfume materno.
– O fato de perder a mãe quando eu tinha 23 anos me amadureceu, me ensinou a não perder tempo com quem não faz sentido, a sempre dizer “eu te amo”, “sinto a tua falta” para as pessoas importantes – completou Andrea, para quem o livro foi de um impacto enorme, por sua “simplicidade e grandiosidade”.
Ela vai levar um exemplar de presente para o pai, um homem criativo que transformou a dificuldade em magia quando seus filhos eram crianças e seu negócio faliu. Para Andrea e os irmãos não notarem que a merenda de pão com salsicha e água era sinal de restrição financeira, o pai explicou a eles que comer cachorro-quente era um privilégio, enquanto os coleguinhas só podiam comer a iguaria em festinhas. A bebida não era uma água qualquer, mas “água cristalina”, obtida por uma receita secreta de família: bater o líquido por vários minutos no liquidificador, conta a maquiadora.
– Agora isso se inverte, a gente vira o pai dos nossos pais – resume Andrea, citando para Carpinejar uma passagem do livro.
Para quem perdeu a promoção, ainda há chance de pegar o autógrafo do escritor na Feira, no próximo domingo (11), às 18h30min.