Quando lançou Ramilonga — A Estética do Frio, em 1997, Vitor Ramil também lançou um gesto de afirmação diante do regionalismo e do estereótipo de brasilidade. Foi quando apresentou a Estética do Frio como traço de identidade do Estado, além de pontuar a milonga como ritmo brasileiro. Definitivamente, tratava-se de um trabalho disruptivo.
Celebrando os 25 anos desse marco na carreira de Ramil e da música popular gaúcha, Ramilonga ganha uma edição especial em formato físico, lançada nesta quarta-feira (5). Também haverá um show comemorativo do álbum na sexta-feira (7), no Salão de Atos da PUCRS, a partir das 21h.
Para a apresentação, Ramil reúne os músicos que participaram das gravações do disco: André Gomes (sitar), Alexandre Fonseca (tablas e percussão), Roger Scarton (harmonium) e, por fim, Edu Martins (contrabaixo) substituindo Nico Assumpção, baixista que morreu em 2001. Além das faixas do Ramilonga, o repertório abrange canções de Délibáb (2010), que dialogam com o disco de 1997.
Na edição comemorativa do álbum, há um caderno de anotações que, além de páginas brancas e quadriculadas para o fã utilizar, contém manuscritos de Ramil, letras, fotos e o CD de Ramilonga remixado e remasterizado. Na repaginada das faixas, o cantor e compositor destaca que houve um ganho na sonoridade.
— Procurei fazer soar mais legal, um pouco mais limpo e claro — observa Ramil. — Mas preservando a essência que o trabalho sempre teve.
Outra novidade no pacote é a faixa bônus Milongamango — que funde três músicas (Milonga, Indo ao Pampa e Milonga de Sete Cidades) com voz do poeta gaúcho João da Cunha Vargas (1900-1980) extraída de fita cassete, declamando seu poema Mango. Aliás, a colagem é um tributo ao autor, que é um nome chave para algumas canções do Ramilonga. Mais tarde, o trabalho do poeta também ganharia foco no Délibáb.
— A poesia do João era muito oral, então acho que a musicalidade dele vem daí. É uma coisa que soa para mim muito verdadeira e profunda, ao mesmo tempo super simples — define Ramil.
Milongando
Com clássicos como Deixando o Pago, Milonga de Sete Cidades (A Estética do Frio) — essa servindo como se fosse uma carta de intenções do projeto — e Noite de São João, o disco tem como base a milonga, mas acrescenta sonoridades sofisticadas e cosmopolitas (como indianas e africanas), mesclando a linguagem gauchesca do campo com a universal.
Assim como em outros trabalhos, o músico sublinha o imaginário regional sem medo de parecer conservador. Como Ramil escreveu em seu livro-manifesto A Estética do Frio, de 2004, ele procurou enfatizar um Brasil das temperaturas baixas, com semelhanças à cultura do Uruguai e da Argentina, diferente daquele país tropical e praiano que se costuma mostrar.
A milonga é constante na obra de Ramil, desde as suas composições na adolescência. Como é possível observar em um dos manuscritos que estão no caderno de anotações do relançamento, ele escreveu a palavra “Ramilonga” pela primeira vez em 21 de abril de 1983, realçando que estava a caminho de si — no caso, encontrando uma linguagem própria. A expressão batizaria a música que seria composta dois anos depois, que, posteriormente, daria título ao disco de 1997.
— Quando fiz a música, passei a tratar ela como se fosse uma espécie de centro das outras milongas, começaram a gravitar em torno dela. Sempre que criava uma milonga, ia guardando para esse trabalho. Quando chegou a hora de reunir essas músicas, a Ramilonga era isso, era o significado da canção — explica.
Ramilonga marca o período que Ramil retornou ao Sul após cinco anos vivendo no Rio de Janeiro. O disco veio na sequência de À Beça (1995), cuja produção ele descreve como “complicada”.
— Uns anos antes tive esse insight da Estética do Frio. Eu me perguntava como seria essa estética, fiquei fazendo especulações e tal. Ramilonga expressa um momento bem marcante para mim — relata. — É uma espécie de tábula rasa. A partir dali, comecei a me autorreferenciar, buscando mais referências nas minhas próprias ideias e no meu próprio trabalho.
Logo após lançar Ramilonga, o músico lembra que o disco teve um impacto inicial maior fora do Rio Grande do Sul. No resto do país, repercutiu rapidamente. Já no Estado, o álbum causou um estranhamento.
— Meu primeiro trabalho que, para o resto do Brasil, foi entendido como álbum autoral mesmo. Aqui dentro causou um pouco de perplexidade. Muita gente ficou sem entender do que se tratava aquilo — recorda. — Quem era do tradicionalismo, torceu um pouco o nariz. Foi polêmico, isso posso dizer. Depois virou um disco querido, todo mundo gosta dele por algum motivo.
Segundo Ramil, a geração de compositores da qual ele faz parte sofreu com o peso das exigências do mundo do tradicionalismo. Ele frisa que havia muitas regras para a estrutura musical, descrevendo o período como "bastante cerceador", que limitava criativamente.
— É como se eu não tivesse direito de compor milonga ou fazer dessa ou daquela maneira —diz. — Com o Ramilonga, quis questionar o affair dessas coisas, a parte de instrumentação, a parte de cantar, as harmonias. É um disco que subverte.
Após 25 anos, o músico avalia que Ramilonga está presente em tudo o que fez desde então, embora ele não tenha se acomodado com a mesma fórmula.
— Para mim, é revitalizante voltar ao Ramilonga — afirma. — Por mais que eu faça uma viagem como Avenida Angélica (2022) ou Campos Neutrais (2017), percebo tudo que comecei a desenvolver no Ramilonga. Meu propósito era esse. Eu parto de algo que tenha uma milonga como tema e, a partir dali, tiro valores para os meus outros trabalhos.
Serviço
- Ramilonga — A Estética do Frio: 25 anos
Sexta-feira (7), às 21h, no Salão de Atos da PUCRS (Av. Ipiranga, 6.681). Ingressos a partir de R$ 72 (com mais um 1 kg de alimento) via guicheweb.com.br, com taxas. - Caderno + CD Ramilonga 25 anos
A partir de R$ 60 pelo site oficial de Vitor Ramil.