Quando soube, em 2017, que Sérgio Ricardo voltara aos palcos cariocas depois de longa ausência, aos 85 anos, fiquei bem feliz. Sempre gostei desse compositor (e cineasta) de voz grave cantando músicas com temática social. Estive com ele três vezes, numa delas me deu uma longa entrevista. Durante as décadas de 1980 e 90 inteiras ele não lançou nenhum disco. Achei que não gravaria mais. Então, dá pra imaginar com que satisfação
(e emoção) assisti agora ao DVD Cinema na Música de Sérgio Ricardo, gravado ao vivo nesse show do retorno. O show foi idealizado por seus filhos cantores Marina Lutfi, Adriana Lutfi e João Gurgel, com músicos do calibre de Lui Coimbra, Marcelo Caldi e Alexandre Caldi.
No palco, enquanto rola a música, são projetadas cenas dos filmes dirigidos por Sérgio, como Esse Mundo é Meu (1964), A Noite do Espantalho (1974) e Bandeira de Retalhos (2018), ou que têm trilha-sonora feita por ele, entre outros Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964). Ele foi integrante de primeira hora da Bossa Nova e do Cinema Novo, o que não é pouca coisa; um artista que sempre pensou o Brasil e cantou o povo brasileiro. O show que deu origem a este DVD (aliás, o primeiro de Sérgio Ricardo) é uma celebração diante de um público vibrante. A música de abertura é Enquanto a Tristeza Não Vem (aquela que diz “Canta, canta, nasceu uma rosa na favela”).
São 16 faixas, várias delas “pupurris” com duas, três e até quatro canções funcionando como suítes. Entre as mais impactantes estão Esse Mundo É Meu (“mas acorrentado ninguém pode amar”), Deus e o Diabo na Terra do Sol (“Te entrega, Corisco/ Eu não me entrego não”), Barravento (com Dori Caymmi), a sarcástica Conversação de Paz, Canção do Espantalho (com Alceu Valença) e o primeiro sucesso, Zelão (só voz e violão de João Bosco). Sérgio está no palco o tempo todo, repartindo as vozes com os filhos e fazendo breves comentários. No geral, são sambas e ritmos nordestinos. No encerramento, Sérgio recita o poema Não Há Mais o que Encontrar no que de Velho Ficamos. No que discordo: há, sim.
Antena/livros
O jornalista e escritor gaúcho dá continuidade a sua incursão pelas entranhas do jazz (e gêneros afins), iniciada em 2017. O segundo volume de Negras Melodias - Músicas de Feiticeiras e Santos Pecadores joga luz novamente em personagens que em geral ficaram à margem do sucesso e do conhecimento público, como o, digamos, obscuro trompetista Charle Freeman Lee, que aparece já no primeiro texto. “Além de gravar pouco, e sempre como músico acompanhante, ele deu um azar danado”, escreve Eduardo, continuando: “Surgiu quando Dizzy Gillespie e Miles Davis já eram os reis da cena”. E assim vai, trazendo à tona Harvey Fuqua, Cholly Atkins, Gildo Mahones, Naima (primeira mulher de John Coltrane) e outros. Mas não só eles. O livro também destaca lados menos óbvios de gigantes como Thelonious Monk, Dexter Gordon, Muddy Waters, Sammy Davis Jr., Bob Dylan, Billie Holiday, James Brown e até Tim Maia. São 45 crônicas/ artigos escritos com estilo fluente e bem-humorado que revelam não apenas a paixão de Eduardo pelos personagens, como seu singular método de pesquisa. Ele conhece muito a história do jazz. Editora Capítulo 1, 112 páginas, R$ 30. Informações no Facebook de Eduardo.
Em 2015 e 2016, os violeiros e cantadores paulistas Paulo Freire e Levi Ramiro percorreram o país de cabo a rabo pelo Projeto Sonora Brasil, do Sesc. Em cada uma das 110 cidades (de todos os Estados!) por que passou, Freire ia fazendo anotações sobre a vida do lugar, pessoas, particularidades, etc. O resultado é o cativante livro Chão - Uma Aventura Violeira. Nele, Freire reúne um pouco do que aprendeu escrevendo, com a sensibilidade especial do músico, romances, biografias, livros de causos e para crianças. Não é exagerado relacionar este trabalho ao que seu conterrâneo Mario de Andrade realizou 80 anos atrás. Só que Mario se embrenhou à procura de folclore musical, e Freire à observação da vida no Brasil profundo. Escrito sob o formato de um diário, o livro traz informação que não acaba mais, um pouco de cada lugar (“Brasília está muito cansada, o ar pesado”), sem perder a conexão com a realidade nacional que corre paralela. A escrita é coloquial, saborosa, cheia de expressões como “nossa siora, como teve bom ontem!”. Um livro de aventuras, de viagem, de música, história, pesquisa etnográfica e de filosofia também. Edição do autor, 240 páginas, em papel R$ 39; e-book, R$ 19,90.
Antena/Discos
Mesclando MPB, trio elétrico, pop, rock e reggae, A Cor do Som foi uma das bandas de maior sucesso no Brasil entre o final dos anos 1970 e o início dos 80. Depois de 1986, os shows e discos ficaram esporádicos. Este novo álbum comemorativo é o primeiro desde 2006. Cercados de convidados, Dadi, Mu, Armandinho, Ary Dias e Gustavo Schroeter mandam ver com a qualidade e competência de sempre em quatro músicas inéditas e seis sucessos daquela época. A inédita Somos da Cor abre o disco. Entre as outras tem Abri a Porta (Gilberto Gil/ Dominguinhos), Zanzibar, Alto Astral, Magia Tropical, Swingue Menina e Semente do Amor. Convidados: Gil, Samuel Rosa, Djavan, Moska, Roupa Nova, Lulu Santos, Flávio Venturini e Natiruts. MCK Discos, R$ 30 no Facebook d’A Cor do Som.
Depois de fazer sucesso na Jovem Guarda com o infantojuvenil Trio Esperança, Evinha abriu a carreira solo vencendo em 1969 o 4º Festival Internacional da Canção com a música Cantiga por Luciana. Menos de 10 anos depois, casada com o pianista francês Gerard Gambus (da orquestra de Paul Mauriat), ela trocou o Brasil pela França, onde vive até hoje. Desde 1999 sem lançar disco, reaparece com este álbum dedicado à obra de Guilherme Arantes. Canções perfeitas para voz e piano (o de Gambus), cantadas com a mesma suavidade e frescor juvenil. Entre outras, Deixa Chover, Amanhã, Brincar de Viver, Cuide-se Bem, Pedacinhos (Bye Bye So Long), Êxtase, a especialmente bela A Cidade e a Neblina e a inédita Sou o que Ele Quer, que Guilherme fez para ela. Kuarup Musica, R$ 25.