Duas novas vozes marcantes da música brasileira, a baiana Mariene de Castro e o pernambucano Almério se conheceram em uma festa de José Maurício Machline, promotor do Prêmio da Música Brasileira, no Rio de Janeiro. Começaram a cantar e arrasaram, são parecidos, gostam dos mesmos estilos musicais. Naquela noite mesmo combinaram fazer um show juntos, com direção de Machline. Sucesso. Acasocasa, sexto disco de Mariene e terceiro de Almério, foi gravado ao vivo no show realizado em setembro de 2018. São 18 músicas, várias delas clássicos, em torno do samba e de ritmos nordestinos como xote e baião.
Mariene tem familiaridade com o palco desde a infância, quando praticava dança. Na adolescência, cantou na Timbalada de Carlinhos Brown. Em 1996, ouvida em um show no Pelourinho por produtores franceses, foi convidada para fazer uma turnê pela França. Não parou mais de ampliar seus horizontes. Com o mesmo gosto de Mariene pela teatralidade, Almério começou a cantar na cidade de Caruaru, apaixonado pelo som das bandas de pífanos. Já vivendo no Rio, em 2017 se apresentou no Rock in Rio ao lado de Johnny Hooker e Liniker. Seus padrinhos musicais são Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho.
As vozes de Almério e Mariene são parecidas, fortes, abertas. Eles alternam solos e duos perfeitos, acompanhados pelos ótimos Gel Barbosa (acordeom), Juliano Holanda (violão) e o gaúcho Pedro Franco (violão, bandolim). O disco começa com a linda e sutil Avesso (Ceumar/Alice Ruiz) e termina com uma intensa Canto de Ossanha (Baden/Vinicius). Tem Lamento Sertanejo (Gil/Dominguinhos), Na Primeira Manhã (Alceu), Boiadeiro (Armando Cavalcanti/Klecius Caldas), Pau de Arara (Gonzagão), Deus me Proteja (Chico César), Salão de Beleza (Zeca Baleiro), Mas Quem Disse que Eu te Espero (Ivone Lara) e mais...
Um disco que dá vontade de sair cantando.
Arte e natureza na voz de Consuelo de Paula
O trabalho de Consuelo de Paula sempre me chamou a atenção pela originalidade e o rigor. Além de não se parecer com ninguém da música brasileira, ela desenvolveu uma linguagem poética fundada no telurismo. A natureza é parte indissociável do que canta e as relações humanas que motivam seu olhar vêm dos interiores calmos – mas atentos. Seu canto é profundo, delicado e amoroso. Maryákoré, sétimo disco da compositora, cantora e instrumentista mineira, concentra no título o que se desdobrará nas canções: Maryá porque Maria é o primeiro nome de Consuelo; koré é flecha na língua paresi-haliti (grupo indígena do Mato Grosso), oré é nós em tupi-guarani e Yakoré é um nome próprio africano.
O álbum é dividido em dois movimentos, mas as músicas podem ser ouvidas fora desse contexto. Consuelo toca violão e percussões, além de criar os arranjos, com Guilherme Ribeiro ao piano e Carlinhos Ferreira nas percussões, flautas e efeitos. Trecho da letra de Chamamento, com ritmo de capoeira: “Vem, vem pra nossa companhia/ Chama os bichos, os homens/ O moço da rua, o presidiário, a moça nua/ A Luzia/ Minha amada, meus amores/ Tá na hora, tá na hora”. Arvoredo traz ares nordestinos e letra que poderia ser descendente de Águas de Março. Já Movimentos do Amor tem águas de samba-canção. Luminosas, a voz e as melodias da cantora produzem bem-estar. Ouça e me diga se não é bem assim.
Antena
SOU DE POUCA FALA, de Patativa
Adoro surpresas. Nunca tinha ouvido falar desta sambista maranhense com nome de passarinho e que acaba de completar 82 anos. Figura popular em São Luís, Patativa só chegou ao disco graças a seu conterrâneo Zeca Baleiro. Este é o segundo, o primeiro saiu em 2015. Ela não toca nenhum instrumento, mas compõe e canta como uma legítima força da natureza. Em uma entrevista recente, disse sobre sua música: “Não sei de onde vem, é uma dádiva, vem aquela coisa na minha cabeça”.
A voz lembra Clementina de Jesus e as músicas, dentro da mais pura tradição do samba de raiz, têm letras curtas e bem-humoradas sobre o cotidiano. Mas tem também ritmos regionais, como o malandro xote Não Faço Nada sem Poder, com a participação do padrinho. O grupo de 10 músicos faz uma cozinha poderosa.
VOL.1, de Marcelo Costa
Só com Caetano Veloso, o baterista e percussionista Marcelo Costa gravou 11 discos. Seu currículo inclui Chico, Gil, Gal, Bethânia, Marisa Monte, Adriana Calcanhotto e por aí vai, sem contar o tempo em que integrou a banda A Barca do Sol, nos anos 1970. Com a ideia de lançar um disco para comemorar 25 anos de profissão, entre 1994 e 1999 ele aproveitava brechas nos estúdios e ia gravando com esse pessoal.
Passaram-se 20 anos e o disco enfim sai. Só música boa, entre elas Do Fundo do Meu Coração (Roberto/Erasmo, com Calcanhotto), Pesar do Mundo (de e com Zé Miguel Wisnik), Ele Falava Nisso Todo Dia (Gil, com Lulu Santos), Feitiço da Vila (Noel, com Caetano), Igreja do Pilar (de e com Toninho Horta). Marcelo só canta uma, e bem: Na Cadência do Samba (Ataulfo Alves). Um disco refinado e plural, com grandes músicos.
A ROMA, de Zé Luiz Mazziotti
O fato de Mazziotti ser conhecido quase só na noite de São Paulo não deixa de ser intrigante, considerando que já tem 50 anos de carreira e é um dos grandes cantores brasileiros. Este é seu sétimo disco, “para você ouvir sempre que estiver precisando de música”, diz no encarte o crítico Zuza Homem de Mello. A Roma foi gravado na capital italiana em 1992, Mazziotti foi guardando a fita e finalmente ela vem à luz.
Sua voz de veludo, com belos graves, e seu violão joãogilbertiano, emolduram pérolas como Choro Bandido (Chico/Edu), Anos Dourados (Tom/Chico), Mar de Copacabana (Gil), Todos os Mares (Moacyr Luz/Aldir Blanc), Receita de Samba (Joyce/Paulo César Pinheiro), Dança da Solidão (Paulinho da Viola), Na Boca da Noite (Toquinho/Paulo Vanzolini) e Amor ao Ofício (Mazzotti/Sérgio Natureza).