Depois de ser apresentado nos cinemas e no canal Curta! (2017), o documentário O Piano que Conversa, de Marcelo Machado com Benjamim Taubkin, sai agora no formato DVD. Mesmo tendo visto o filme três vezes, um amigo foi dos primeiros a comprar o vídeo. “Este eu quero ter por perto para rever sempre”, me disse. A extrema sensibilidade do documentário é encantadora e inspiradora. O diretor Marcelo Machado (do longa Tropicália) e sua equipe seguem os encontros do pianista paulistano Benjamim Taubkin com músicos de vários países para trocas de sons, afetos e emoções. Alguns ocorreram em São Paulo, capital e interior, outros na Bolívia e na Coreia do Sul, em 2016 e 2017.
Não há palavras, nada de depoimentos e narrações, apenas música e sons. Tudo começa com um piano de cauda sendo desmontado na loja e levado para um estúdio de gravação, ao encontro de Benjamim, seu filho contrabaixista João Taubkin e o percussionista israelense Itamar Doari. Na sequência, entram em cena a cantora moçambicana Lena Bahule e a violoncelista polonesa Agnes Teodorowska. Mais tarde transportado por uma estradinha interiorana, passando por cavalos e vacas, o piano chega a um galpão onde está o grupo Clareira, de música tradicional. A câmera mostra os intestinos do piano sendo afinado. O fogo de chão, à noite, ajuda na criação de uma atmosfera especial.
A música brota, vai e vem espontânea, acompanhada pelo diálogo dos olhos. Há um fluxo espiritual no mimetismo das culturas, não interrompido nem pelas cenas urbanas das localizações geográficas, São Paulo, La Paz, Seul e seus sons. Não há divisões entre a música paraense de Felipe Cordeiro e seu pai Manoel tocada na periferia paulistana, do grupo inca/boliviano Comunidade Sagrada Coca, dos coreanos que formaram com Benjamim o CoBra Project. Participam do documentário cerca de 40 músicos tocando os mais diferentes instrumentos globais ou étnicos. Eles mostram que, ao contrário do mundo geopolítico, o mundo dos sons pode ser um só, fraterno, enriquecedor, paradisíaco.
Se o documentário mostra essa música total que vai sendo feita praticamente sem interrupções, em 11 faixas o CD que acompanha o DVD traz uma seleção das gravações em áudio dos projetos documentados no filme e já lançadas em discos específicos. Benjamim Taubkin, no encarte: “Nunca acreditei que devemos nos conformar a uma existência vazia, sem significado, apenas para sobreviver e pagar as contas ou acumular bens. Sempre corri riscos. E sempre achei que valeu a pena. Tenho em geral sido feliz. A tristeza vem da falta de conversa – de uma parte da humanidade que vem escolhendo se fechar em quartos escuros enquanto a luz do sol brilha generosamente para todos”.
Antena
VIOLA DE BEM QUERER, do Boca Livre
Já estava com saudade do Boca, pra mim o melhor grupo vocal brasileiro. Depois de seis anos sem gravar, David Tygel (voz, viola de 10), Lourenço Baeta (voz, violão, flauta), Zé Renato (voz, violão) e Maurício Maestro (voz, baixo, arranjos) reaparecem com um disco fiel a sua trajetória de 40 anos — é de 1979 o primeiro LP, independente, que vendeu mais de 100 mil cópias com os hits Toada e Quem Tem a Viola.
Então, a viola, que já estava lá, se mantém como sonoridade dominante na seleção de canções inéditas e sucessos de outros autores. Entre as inéditas destacam-se Santa Marina (Baeta/Cacaso), Um Paraíso Sem Lugar (Geraldo Azevedo/ Fausto Nilo) e Eternidade (Maestro). Rebrilham Amor de Índio (Beto Guedes/Ronaldo Bastos) e Um Violeiro Toca (Almir Sater/ Renato Teixeira).
QUASE MEMÓRIA, de Edu Lobo, Romero Lubambo e Mauro Senise
Este álbum fecha a trilogia do trio Edu cantando, com Romero no violão e Senise no sax e flauta, iniciada com Todo o Sentimento (2016) e Dos Navegantes (2017). De sua vasta e brilhante obra, Edu pinçou canções de cada uma das seis décadas (!), da bossa Rosinha (com Capinam), de 1967, a Silêncio, de 2019 — mas sobre letra inédita de Vinicius de Moraes.
Melhor disco da trilogia, Quase Memória tem Edu cantando muito ao seu estilo sóbrio em irretocáveis arranjos que agregam ainda Cristóvão Bastos (piano), Anat Cohen (clarineta) e Bruno Aguilar (baixo). A outra inédita é a ótima Peregrina, samba lento com letra de Paulo César Pinheiro. Entre as trilhas para o cinema, Edu buscou o xaxado Canudos (com Cacaso). Da parceria com Chico Buarque, traz a jazzy Lábia. Os grandes sempre são grandes.
MÚSICA NOVA PARA CAVAQUINHO, de Henrique Cazes
Para muitos hoje o principal nome desse instrumento típico do choro, o também pesquisador e professor carioca Henrique Cazes lança este disco juntamente com um livro de partituras e clipes para a internet. “Procurei conjugar o interesse técnico, didático, com atrativos estéticos”, resume.
Contando com grandes músicos (Beto Cazes, Cristóvão Bastos, Hugo Pilger, João Camarero, Marcos Nimrichter, Rogério Caetano), o disco é uma maravilha, o choro em suas altas esferas. E aqui, naquela área limítrofe entre erudito e popular. Aos 30 anos de carreira e 60 de idade, Cazes se prepara para defender o doutorado em música na UFRJ. No encarte, comenta cada uma das composições e homenageia Waldir Azevedo, “o responsável por tornar conhecido no mundo o cavaquinho brasileiro solista”.