Se para quem a conhece o primeiro disco de Glau Barros já é uma surpresa, imagine-se para quem o ouvir no Rio de Janeiro, por exemplo. Mesmo um carioca habituado ao cotidiano do samba se espantará com a potência visceral da cantora porto-alegrense e com as músicas de autores gaúchos que ela selecionou para gravar. Trabalho maduro, bem produzido, com ótimos arranjos e competentes instrumentistas, Brasil Quilombo é um dos melhores álbuns de samba feitos no Rio Grande do Sul em todos os tempos (posso dizer isso porque conheço a maioria) e posiciona Glau, em atividade desde os anos 1990, entre as grandes cantoras e sambistas do país.
"A propagação de sua voz resulta, na alma de quem a escuta, em um imaginário chamado da Mãe África", resume no material de divulgação o compositor Gelson Oliveira, diretor musical do disco. Verdade. Desde a faixa de abertura, Iemanjá (Márcio Celli), as referências ao universo afro-brasileiro são marcantes, explicitamente ou não. Quase todo atual, com letras que dizem, o repertório abre um leque para vários autores e formatos de samba. Assim, convivem a jovem Pâmela Amaro (A Caixa e o Tamborim), o bamba Nelson Coelho de Castro (No Braço com a Vida) e o já mitológico Mestre Paraqueda (Fuxico).
De Zilah Machado, outra lenda, Glau canta Vem Devagar. Desamor, de Dema Gonçalves/Bedeu, também é um resgate. Antonio Villeroy assina O Peixe Quer Água. Tributo à negritude na música brasileira, a faixa-título Brasil Quilombo, é de Zé Caradípia e Luís Mauro Vianna. Em Escolha, Gelson Oliveira faz parceria com Elisa Lucinda. Lupicínio Rodrigues, de Edson Guerreiro, reverencia o pai do samba gaúcho. Único “estrangeiro”, Noel Rosa é o autor da pouco conhecida Quem Ri Melhor. E pra terminar, Pergunte a Meus Tamancos, primeira música de Lupi gravada, pelo parceiro Alcides Gonçalves, em 1936.
Marco Farias fez os arranjos. Com Silfarnei Alves, Alemão Charles, Fernando Neto, César Audi, Cassiano Miranda, Edu Nascimento, Luizinho Santos, Renato Dal’Ago, Huberto Martins, Arthur de Faria, Jorginho do Trompete, Pedrinho Figueiredo, Djâmen Farias, Drika Carvalho, Silvana Sílvia e Rosa Franco.
BRASIL QUILOMBO, de Glau Barros
- Independente, R$ 25 na livraria Bamboletras, Café Cantante e Arteloja da Casa de Cultura Mario Quintana (todas em Porto Alegre). E no Facebook de Glau. Disponível nas plataformas digitais.
Beatriz Azevedo: não deixe de ouvir
Embora tenha oito discos lançados, podemos considerar que Beatriz Azevedo é uma das boas novidades da MPB. Não só da música: cabeça multimídia, além de compositora e cantora, ela é poeta (quatro livros), atriz, doutora em Artes da Cena pela Unicamp, mestra em Literatura Comparada pela USP etc. Mas o que interessa aqui é o novo álbum A.G.O.R.A., que fecha a trilogia iniciada com Alegria (2008) e Antropophagia (2014). As canções são um convite à inteligência. “Diante do momento conturbado do país, senti a urgência do chamado da criação”, conta no material de divulgação. “Escrevi poemas e canções para colocar arte, poesia e beleza no mundo cada vez mais bruto e estúpido.”
Um poema acompanhado de berimbau dá as tintas para o que virá: canções de ritmos/climas diversos (samba, marchinha, jazz-blues, baião) pautadas por letras provocantes, voz leve, sem contrastes mas expressiva, com arranjos (Cristóvão Bastos) que evitam qualquer indício de “tradição”. Entre as 12 músicas dela e parceiros, como a ecumênica Sem Fronteiras, a alegre Toda Musa (com Zélia Duncan) e a não menos feliz Reveiller (Matheus Nachtergaele cantando), Beatriz à francesa visita La Vie en Rose (Edith Piaf) e faz com que a bossa encontre o tango em Insensatez (Tom/Vinicius). Tudo isso, e mais, ao lado de músicos como Moreno Veloso, Jaques Morelenbaum, Jorge Helder, Cyro Baptista.
A.G.O.R.A., de Beatriz Azevedo
- Biscoito Fino, R$ 33,90. Disponível nas plataformas digitais.
Antena
DE PAI PARA FILHO
Conjunto Época de Ouro
Criado por Jacob do Bandolim em 1964, o Época de Ouro tornou-se um dos mais importantes grupos da história do choro. Com a morte de Jacob, cinco anos depois, o ritmista Jorginho do Pandeiro assumiu o comando do conjunto e o trouxe até 2017, quando morreu, aos 86 anos. Hoje a liderança está com o também pandeirista Celsinho Silva e com o cavaquinista Jorge Filho, seus filhos e seguidores. Completam o sexteto atual Ronaldo do Bandolim, Antonio Rocha (flauta), Luiz Flávio Alcofra (violão) e, ocupando o lugar que um dia foi do histórico Dino 7 Cordas, o jovem e ótimo João Camarero. De Pai Pra Filho é o primeiro disco com a nova formação (o álbum anterior saiu em 2010). A sonoridade é a mesma, choros no estilo clássico e atemporal, com 12 composições inéditas, entre elas Bolinha Cristal, Nostálgico (ambas de Juventino Maciel), Flor de Manacá, Mestre Pixinga (ambas de Antonio Rocha), De Pai Pra Filho (Jorginho do Pandeiro/Jorge Filho), Outonal (Cristóvão Bastos), Três Marias (João Camarero) e Thayan no Marinho (do gaúcho radicado no Rio Luís Barcellos).
LUIZ VIEIRA 90 ANOS
De vários intérpretes
O pernambucano/carioca Luiz Vieira foi um dos artistas mais populares da MPB nos anos 1960/70, com inúmeras canções de sucesso gravadas por ele e nomes como Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Nara Leão, Luiz Gonzaga, Fagner. Também apresentava um programa de TV de grande audiência em algumas capitais, Porto Alegre inclusive. Em outubro do ano passado, para marcar a passagem dos seus 90 anos, o produtor Thiago Marques Luiz selecionou 20 músicas e reuniu no Teatro Itália, em São Paulo, 20 cantores de diferentes gêneros e gerações. Gravado ao vivo, este disco registra aquela noite. Estão aqui os sucessos Paz do Meu Amor (com Daniel), O Menino de Braçanã (com Renato Teixeira), Guarânia da Lua Nova (as Galvão), Na Asa do Vento (Verônica Ferriani e Zeca Baleiro), Maria Filó (Anastácia), Resto de Quem Parte (Agnaldo Rayol) e, fechando o show, Prelúdio Para Ninar Gente Grande (com Agnaldo Rayol, Agnaldo Timóteo e Moacyr Franco). Também participam, entre outros, Ayrton Montarroyos, Claudette Soares, Maria Alcina, Socorro Lyra, Sérgio Reis e Eliana Pittman. Os fãs vão gostar.