A importância do Sesc na promoção da cultura brasileira é tanta, que nem pode ser medida. Tenho acompanhado isso de perto ao longo dos anos. Impedir que o Sesc siga com o papel de difusor cultural, proporcionando diálogos entre as diferentes regiões e trazendo à tona manifestações de nacionalidade/pluralidade negligenciadas pelo governo e encobertas pela indústria da diversão é quase um crime de lesa-pátria. Espero que não se leve adiante tal ameaça. Me refiro ao Sesc porque é o que vem ao caso aqui, mas a ameaça paira sobre todo o democrático Sistema S.
Dito isso, dirijo o foco para o Sesc de São Paulo, o mais ativo do Brasil, sob a direção exemplar de Danilo Santos de Miranda.
Já muito comentei os discos lançados pelo Selo Sesc, todos de cuidado formal e significação cultural irretocáveis. Trago três novos álbuns que sintetizam todo esse “arrazoado”: Blue Voyage, de Raul de Souza; Jacob do Bandolim 100 Anos – Sentimento & Balanço, de Joel Nascimento e Fábio Peron; e Garoto, de Paulo Bellinati. Este último é a reedição, digitalizada e remasterizada, do raro LP lançado pelo selo Marcus Pereira em 1986 com o grande violonista paulistano – Bellinati voltara de seis anos de estudos no Conservatório de Genebra e descobria, encantado, estudando-a a fundo, a obra de Garoto (1915-1955), um dos pais do violão brasileiro moderno. Os arranjos são do próprio Garoto.
O disco do veterano carioca Joel Nascimento e do jovem paulista Fábio Peron, ambos bandolinistas, com o não menos sensacional quarteto de Henrique Cazes, refresca a obra imortal do centenário Jacob do Bandolim, mantendo o charme da tradição. Estão aqui clássicos como Vibrações, Doce de Coco, Noites Cariocas, Pé de Moleque e Assanhado.
Por fim, Blue Voyage é o novo disco de Raul de Souza – que lançou o primeiro em 1965. Prestes a comemorar 85 anos, ele mantém a forma que o levou a ser considerado um dos maiores trombonistas do mundo. E com um grupo matador em que se destaca o pianista Leo Montana. Samba-jazz ao mesmo tempo caloroso e sofisticado, com Raul assinando todas as músicas.
Uiliam Michelon é o novo que vem de Vacaria
Desconheço os motivos, mas o Rio Grande nunca teve tantos músicos e grupos qualificados dedicando-se à música instrumental de raiz gauchesca e espírito universal. Acho que o surgimento de alguém como Yamandu Costa (para citar apenas ele) e seu sucesso elevou o nível de exigência e motivou muita gente a aperfeiçoar-se, a levar a música a sério – no entanto, parece haver algo mais nesse interesse.
Dos grupos, tem Quartchêto, Instrumental Picumã, Yangos, Quinteto Canjerana, Mafuá Trio, e entre outros chega de Vacaria o Uiliam Michelon Quarteto, que está lançando o primeiro disco. Discípulo de Oscar dos Reis, seguidor de Raulito Barboza, Uiliam é exímio no acordeom cromático, instrumento meio raro por estas bandas.
Completado por Thiago Carlotto (guitarra acústica, violão), Everton Hoffmann (baixo) e Gleidson Dondoni (bateria), o quarteto atua desde 2015, com presença em festivais nos estados do Sul. Sua música é forte, bem marcada, e embora Uiliam fale genericamente em “ritmos latino-americanos”, o álbum de estreia parte do Rio Grande do Sul para uma identificação maior com a Argentina, em músicas como Chamamé del Pueblo. A faixa de abertura, Libre (Melodia para Don Segundo Sombra), tem ares de milonga, ritmo que aparece em outras duas. A “diferente” é Alma Manouche, jazz cigano com Mauro Albert na guitarra. Pedro Kaltbach, Marco Michelon e João Vicenti participam. Um grande disco.
Antena
Os álbuns aqui comentados também estão disponíveis nas plataformas digitais
Portal
De Ubaldo Versolato
Em 40 anos de carreira, o saxofonista paulistano tocou com os principais nomes da MPB (de Tom Jobim a Rita Lee) e marcou presença em 300 discos. Há um bom tempo integra a Banda Mantiqueira e a banda de Roberto Carlos. Mas este é seu primeiro álbum individual. Ao lado de Fábio Leandro (piano), Léo Versolato (baixo) e Gabriel Guilherme (bateria), o soberbo sax barítono de Ubaldo Versolato produz música de alto nível na confluência de samba, bossa e jazz. Tubo de Ensaio, por exemplo, tem uma sonoridade que remete à bossa-jazz instrumental dos anos 1960. Ele assina quatro das oito faixas, revelando-se um inspirado compositor. O filho Léo é autor de três, entre elas Estudo nº 3, que tem a voz da filha Renata. A dançante Cubango (Edson José Alves), que abre o disco, está no repertório da Mantiqueira. Kuarup Música, R$ 25.
Outras Cores
Do Cor das Cordas
Outras Cores
Do Cor das Cordas
Os violonistas Edinho Godoy, Luca Bulgarini e Milton Daud formam o trio instrumental paulista Cor das Cordas, que lançou o primeiro álbum em 2010 – Outras Cores é o segundo. Mas só em alguns shows os violões estão sozinhos: eles concluíram que sua música fica mais completa com a percussão, agregando André Kurchal e Edmundo Carneiro - este radicado na França, onde o Cor das Cordas se apresentou em 2018. Encorpado pela percussão variada, o trio de violões alterna composições próprias (como Tribo Brasilis) e clássicos da música brasileira, como Somos Todos Iguais Esta Noite (Ivan Lins/Vitor Martins), Tema de Amor de Gabriela (Tom Jobim), Valsinha (Chico Buarque/Vinicius de Moraes), Insensatez (Tom/Vinicius) e Bala com Bala (João Bosco/Aldir Blanc). Kuarup Música, R$ 25.
Ritmos do Brasil
Do Ademir Cândido Quarteto
Nascido em Porto Alegre, Ademir Cândido começou na bateria e logo passou à guitarra, antes de mudar-se para São Paulo, em 1974, aos 18 anos. Aos 22 já estava no Rio, integrando grupos de jazz e bossa nova e trabalhando, entre outros, com Paulo Moura e Leny Andrade. Quinto álbum solo, Ritmos do Brasil marca seu retorno ao país depois de 20 anos atuando na Suíça. Com alguma influência hermetiana, a base do disco é o samba-jazz, mas também há um xote, ambos evidenciando um compositor de bons recursos melódicos. Além de ótimo guitarrista, ele toca vários instrumentos e recebe convidados do porte de Jaques Morelenbaum, Zé Bigorna, Jota Moraes e Filó Machado. Seu quarteto tem Fernando Moraes (piano, teclados), Sidão Santos (baixo) e Renato Endrigo (bateria). Distribuição Tratore, R$ 25.