“Não vi o tempo passar”, disse Carlos Lyra em entrevista recente, tentando justificar por que demorou 25 anos para lançar um disco novo só dele — em 2018, gravou Os Bossa Nova, com Marcos Valle, João Donato e Roberto Menescal. Enfim, o tempo passou e o autor de vários clássicos da bossa nova ressurge aos 85 anos de idade e 65 de carreira com o álbum Além da Bossa.
O título é autoexplicativo, pois ele nunca foi bossa-novista em tempo integral; boa parte de sua música tem um forte componente político-social que vem da época de militância na União Nacional dos Estudantes. O repertório reúne canções compostas de 1956 a 2012, algumas inéditas, outras que Lyra passou a outros intérpretes e nunca gravou.
Ficou feliz com o resultado: “Em 65 anos de carreira nunca havia tido uma experiência tão gratificante como ao fazer este disco”, revelou na mesma entrevista. Os elogios unânimes que vem recebendo confirmam tal impressão. Além da Bossa é um grande trabalho, diferente de tudo o que vem sendo feito atualmente na música brasileira. O diversificado conjunto de canções, com vários parceiros, circula por bossa nova, samba-canção, samba de breque, valsa e até tango (!). Os arranjos também têm várias assinaturas além da dele – Marcos Valle, Antonio Adolfo, Dori Caymmi, João Donato, Jaques Morelenbaum. Mas o espírito é atemporal, dando ao álbum uma atmosfera de MPB clássica.
Para arrematar, Lyra canta daquele seu jeito leve, sem contrastes, voz limpa e segura. Difícil destacar faixas, todas são muito boas, menciono algumas: Belle Époque (parceria com Ronaldo Bastos), E Era Copacabana (Joyce Moreno), Até o Fim (Marcos Valle), Romântico até Demais e Achados e Perdidos, ambas só dele, que também musicou, com felicidade, poemas de Castro Alves, Machado de Assis e Lope de Vega. Todos os arranjadores participam com seus instrumentos e o time de músicos tem nível de seleção – Adriano Giffoni, Dirceu Leite, Jessé Sadoc, Itamar Assiere, Ricardo Costa, Flávio Mendes, Quarteto Radamés.
No texto de divulgação, Charles Gavin destaca que a produtora executiva Magda Botafogo e o produtor musical Alex Moreira foram fundamentais na trama.
Os 80 anos de Roberto Menescal em 17 vozes
Companheiro de Carlos Lyra nos históricos verdes anos da bossa nova, com pilhas de sucessos, Roberto Menescal se mantém em atividade constante. Dos anos 1950 para cá, só andou meio longe dos palcos quando atuou como diretor artístico da extinta gravadora PolyGram nas décadas de 1970/80. Nesse tempo, esteve ao lado dos grandes nomes da MPB, de Tom a Elis, Chico, Caetano, Gal, e tal. A comemoração dos seus 80 anos de vida rendeu uma rara reunião de artistas de diferentes gerações em torno dele – exatamente 17, interpretando 17 músicas.
O resultado está no DVD e no CD Roberto Menescal 80 Anos, com ele na guitarra, Marcos Nimrichter no piano, Jefferson Lescowich no baixo e Rafael Barata na bateria.
Das 17 canções, quase todas em clima de bossa e jazz, 10 são com seu clássico parceiro Ronaldo Bôscoli, entre elas Telefone, Você, Vagamente, Ah! Se Eu Pudesse, Nós e o Mar, Rio e O Barquinho. Com outros parceiros, estão Bye, Bye Brasil (Chico), Tá Oquei (Aldyr Blanc), a emocionante Nara (Joyce Moreno) e Adriana (Lula Freire).
A eclética lista de participantes começa com Wanda Sá e vai até a eterna Leny Andrade, passando por Jorge Vercilo, Quarteto do Rio, Luiz Pié, Paulinho Moska e Zélia Duncan, Marcos Valle, Zé Renato, Ney Matogrosso, Danilo Caymmi, Cris Delanno, Lenine, Verônica Sabino, Joyce Moreno, Leila Pinheiro e Fernanda Takai. Para colecionador.
Antena
Mart'Nália canta Vinicius de Moraes
Este seria um projeto improvável, até Mart’Nália fazê-lo, reprocessando a obra de Vinicius de Moraes (1913-1980). A voz rasgada e suave (definição de Caetano Veloso) da cantora carioca vai do Vinicius mais íntimo, como na bossa Minha Namorada (parceria com Carlos Lyra), ao mais desbragado, como no sambão A Tonga da Mironga do Kabuletê (com Toquinho). O disco começa e termina com a voz do poetinha em Samba da Bênção (parceria de Baden Powell), passando por, entre outras, Deixa (também Baden), Eu Sei Que Vou te Amar, Insensatez (ambas de Tom, esta com a delicada participação, em francês, de Carla Bruni), Tarde em Itapoã (Toquinho) e Canto de Ossanha (Baden). Produção musical impecável de Celso Fonseca (guitarra, violão) e Arthur Maia (baixo) em seu último trabalho – ele morreria em dezembro de 2018, pouco depois da gravação. Biscoito Fino, R$ 30,45.
Nana Caymmi canta Tito Madi
Ninguém melhor do que Nana, hoje, para interpretar com a densidade exigida todo o romantismo e as dores de amor que marcam as composições de Tito Madi, um dos papas do samba-canção – falecido em setembro de 2018. Há 10 anos sem lançar um álbum solo, a cantora volta com a carga emocional a pleno nesta homenagem. O repertório se concentra no auge da carreira de Tito, indo de 1954 (Não Diga Não) a 1963 (a bossa Balanço Zona Sul, que fecha o disco), passando por Cansei de Ilusões, Chove Lá Fora, Sonho e Saudade, Canção dos Olhos Tristes, Graças a Deus Você Voltou e Gauchinha Bem Querer, entre outras. Produtor da maioria dos discos de Nana, José Milton entregou os arranjos aos mestres Cristóvão Bastos (piano) e Dori Caymmi (violão), reunindo no estúdio só feras do cenário instrumental carioca. Biscoito Fino, R$ 30,45.
Canta Inezita
Os tributos a Inezita Barroso (1925-2015), símbolo do sertanejo de raiz, continuam. Este álbum deriva do show Canta, Inezita!, gravado ao vivo em Santo André (SP). São 15 canções consagradas por ela com diferentes interpretações. A ótima Consuelo de Paula abre o disco com Engenho Novo (Heckel Tavares), Viola Quebrada (Mário de Andrade) e Ronda (Paulo Vanzolini). O violeiro Claudio Lacerda, da nova geração, canta Cuitelinho (Vanzolini) e O Menino da Porteira (Teddy Vieira). Maria Alcina vem com Marvada Pinga (Ochelcis Laureano) e as gauchescas Prenda Minha (folclore) e Balaio (Barbosa Lessa/Paixão Côrtes). A dupla Irmãs Galvão lembra De Papo Pro Ar (Olegário Mariano/Joubert de Carvalho) e O Que Tem a Rosa (Serrinha). O final é com a turma toda em Lampião de Gás (Zica Bergami). Produção de Thiago Marques Luiz. Bem bonito. Kuarup Música, R$ 25.