Na manhã da última terça-feira, Fernando Do Ó partiu para a Bahia, onde vai viver e trabalhar. Quando fiquei sabendo disso, dias atrás, postei a informação no Facebook e a repercussão gerou mais de mil manifestações de carinho, uma pequena amostra de como o histórico percussionista é querido e admirado por aqui. A história ganha maior dimensão quando se sabe que Do Ó encara esse desafio aos 78 anos!
– Minha vida agora vai ser lá, vou sentir saudade mas em princípio só volto para visitar a família e os amigos – me disse, na véspera da viagem.
Levou com ele uns 20 quilos de bagagem, os instrumentos mais necessários para tocar já – outros 80 quilos seguirão por transportadora.
A decisão de ir embora se deve a um convite do cantor e compositor gaúcho Santiago Neto, que desde 2017 vive na bela cidade praiana de Itacaré, próxima a Ilhéus. Santiago e sua mulher, a poeta e escritora Arlene Lopes, criaram lá uma espécie de centro cultural, com escola de música, palco, bar e pequena hospedaria. Do Ó viverá com eles, fazendo shows e oficinas de percussão, enquanto projetam a gravação de um disco e a primeira turnê pelo Brasil.
– Pensei bastante, pois deixo minhas quatro filhas e meus dois netos – pondera. – Mas elas me deram a maior força e tô empolgado. Além disso, vou sem gastar um centavo, o Santiago está investindo em mim.
Fernando Do Ó nasceu em Santa Maria, onde em 1959 começou a tocar guitarra em conjuntos de baile. Três anos depois veio para Porto Alegre, sendo um dos fundadores do melódico Je Reviens. De 1963 a 1974, tocou no Renato e Seu Conjunto, época em que estudou percussão e baixo. Em 1979, tocou baixo na estreia de Kleiton & Kledir com Maria Fumaça, no Festival da TV Tupi.
No primeiro show profissional de Geraldo Flach, 1980, assumiu a percussão, tornando-se um dos maiores do Brasil. Sua sonoridade está em centenas de discos. Fez incontáveis shows com os principais nomes da música gaúcha. De inhapa, seu currículo conta que de 1982 a 1992 foi coordenador de programação da Rádio Gaúcha.
Vamos ouvir falar ainda mais desse jovem de cabelos brancos que em 2019 completa 60 anos de carreira musical.
Ayrton Montarroyos é o que há de novo na voz
Ele é um espanto! Desde Ney Matogrosso um cantor-cantor não me surpreendia tanto quanto Ayrton Montarroyos. Recifense radicado em São Paulo, chegou em segundo lugar no The Voice Brasil de 2015, aos 20 anos. Mas, na real, esse programa de calouros engana um pouco.
É com o recém-lançado segundo disco, Um Mergulho no Nada, que Montarroyos de fato se revela – começando pelo repertório, seguindo pelos precisos textos dele no encarte sobre a escolha de cada canção e, enfim, pelas interpretações irretocáveis.
Tem uma belíssima voz, clara, segura, ampla. E a acompanhá-lo, também de forma irretocável, está o paulista Edmilson Capelupi no violão de sete cordas. Em maio eles se apresentarão em Porto Alegre.
Trata-se, apenas, do melhor disco de voz e violão lançado no Brasil em muito tempo. Gravado ao vivo, é também uma prova de personalidade, pois desde a capa anda na contramão do tal “mercado”.
Montarroyos não faz concessões. Das 10 faixas, apenas duas não são clássicos, as novas Pé na Estrada e Jabitacá, dos conterrâneos Ilana Queiroga e Junio Barreto, respectivamente. Mas ele as canta como fossem. Sem Pressa de Chegar (Capiba/Delcio Carvalho) é uma... milonga! Tem Mar & Lua (Chico Buarque), Açaí (Djavan), Dona Divergência (Lupicínio), Sodade Matadera (Caymmi), Brigas Nunca Mais (Tom/Vinicius), Doce de Coco (Jacob do Bandolim/Hermínio Bello de Carvalho) e Cálice (Chico/Gil). Ouça!
Antena
Solo Lunar, de Lunar
Lunar é o alter ego musical do médico Leonardo Bulcão, bajeense radicado em Rio Grande desde 1994. Depois de dois discos muito bons (2008 e 2013), ele agora traz uma verdadeira obra prima. Solo Lunar é um álbum conceitual que narra a saga de um sujeito em busca do autoconhecimento. Com diversas escalas, ele vai do presente ao passado, e volta, trazendo memórias de campos e mares, árvores e animais, índios e pescadores. O encarte com as letras vale como mapa para se acompanhar a trajetória do personagem. Ao lado de ótimos músicos, como o guitarrista Christian Talaier, o baixista Ivan Beck e o baterista Lucas Fê, o violão e a voz de Bulcão (perfeita para o clima) conduzem a viagem ao som de canções líricas, jazz, ares de chamamé, folk, tango (com o violão de Lucio Yanel), um mantra e até uma eufórica marcha circense com arranjo de sopros, tudo com inequívoca alma rio-grandense. Recheado de detalhes, filosófico e ecológico, Solo Lunar tem participações de artistas novos como Paola Kirst e afirma Bulcão como um dos melhores compositores/letristas do RS. Ah, sim: independentemente do conjunto (16 faixas), cada música também tem vida própria. R$ 25 no Facebook de Bulcão.
Mergulho, de Gabriel Martins
O guri Gabriel atendia ao telefone e ouvia Ivan Lins, Tim Maia, Fafá de Belém e Leila Pinheiro querendo falar com seu pai, Vitor Martins. “Eu não entendia muito bem mas sabia que tinha algo mágico naquilo”, lembra ele em seu site. Curioso é que, sendo filho de um dos maiores letristas brasileiros, tenha optado pela música instrumental. Ele começou tocando guitarra em bandas adolescentes de rock e andou por aí até que, incentivado por Ivan (parceiro do pai em vários clássicos da MPB), resolveu assumir a carreira e este Mergulho é seu primeiro álbum, tendo como inspirações o mar e a natureza. Ao ouvi-lo, logo vêm à mente grupos instrumentais norte-americanos de surf music dos anos 1950/60, como The Ventures. Leve e melodiosa, a guitarra de Gabriel domina a sonoridade, com a banda básica formada por Agenor de Lorenzi (teclados), Cuca Teixeira (bateria), Neymar Dias (lapsteel, viola caipira), Fábio Prior (percussão) e Rubem Farias (baixo, arranjos). Ivan participa de duas músicas, feitas em parceria com Gabriel: recitando os versos em Os Encantos da Lua e tocando piano e fazendo vocalise em Valsinha do Mar. É um disco ensolarado - que esta semana ele esteve divulgando em Porto Alegre. Gravadora Galeão, R$ 20 em estudiogaleao.com.br