Em primeiro plano, Luiz Marenco prepara um mate e canta a capela a música Pra o Meu Consumo, dele e Gujo Teixeira. A câmera abre e o mostra no meio do campo, ao lado de um fogo de chão. Uma antiga carreta repousa ali perto. Vai anoitecendo, ouvem-se sons de grilos e latidos de cães ao longe. Corta para uma porteira sendo aberta, é Gabriel Selvage que chega com o violão, atravessa uma alameda de velhos eucaliptos e encontra Marenco. Assim começa O Primeiro Canto, do diretor e roteirista Hique Barboza, um dos mais simples e belos DVDs já feitos por artistas da música gauchesca. São praticamente só os dois em cena.
O filme teve como cenário a Estância do Minuano, bicentenária propriedade rural localizada no município de Aceguá, que antes de a região ser anexada ao território brasileiro, em 1858, pertencia ao Uruguai. A dimensão do tempo e do campo é uma das marcas do DVD. Nas tomadas internas, o simbolismo do fogo transfere-se para uma lareira sempre crepitando. As 15 pessoas da equipe de produção ficaram hospedadas na casa da estância, construída pelo tataravô do proprietário, Minga Blanco, nome conhecido no universo tradicionalista, que faz participação especial, contando um pouco da história e declamando poemas.
Com 30 anos de carreira completados em 2018, Marenco selecionou um repertório abrangente, que fez dele um expoente do campeirismo. Canta Extraviado, com os primeiros versos que recebeu de Jayme Caetano Braun para musicar – lembra também À Moda Martín Fierro e Deserdado. Ao lado do brilhante violão 7 cordas de Selvage, reúne canções de vários parceiros, entre eles Tadeu Martins (Meu Rancho), Eron Vaz Mattos (Rastros e Milongas), João Sampaio (De Volta de Uma Tropeada) e Sérgio Carvalho Pereira (O Primeiro Canto). De outros autores canta De Estância e Saudade (Guilherme Collares/Zulmar Benitez).
Enquanto seguem as músicas, ao ar livre e dentro da casa, o DVD entremeia imagens do campo durante a noite até o amanhecer. Já o making of mostra a tecnologia usada para registrar a simplicidade.
Valdir Verona dá aulas de viola
Mais conhecido e ativo violeiro do Rio Grande do Sul, 30 anos de carreira, o caxiense Valdir Verona tem um lado forte de professor. Depois de produzir os livros/discos 14 Estudos Progressivos – Violão Campeiro (2002) e Gêneros Musicais Campeiros no RGS (2006), ele está lançando Rio Abaixo – Partituras e Tablaturas para Viola de 10 cordas. O livro reúne partituras de 12 composições que podem ser ouvidas no CD vendido juntamente. A hoje chamada viola caipira foi o primeiro instrumento de cordas do RGS e, depois de muito tempo relegada ao esquecimento, nos últimos anos vem conseguindo mais e mais adeptos.
É para os novos violeiros que Verona dedica o novo trabalho. A afinação conhecida como Rio Abaixo é muito utilizada pelos violeiros, resume o músico, “mas a maioria das publicações para a viola são dirigidas para a afinação conhecida por Cebolão, mais usada na música caipira tradicional”. As composições de Rio Abaixo têm somente ritmos gaúchos, como rancheira, milonga, xote, bugio, vanera, chamamé e contrapasso. Verona gravou também duas peças do folclore, A Chimarrita e o Tatu e Toada Gaúcha. Fecha livro e CD o Pequeno Concerto Para Minha Terra, suíte dele em três movimentos. Mas não se precisa ser violeiro para degustar o ótimo trabalho.
Antena
O fato de trazer informações também em inglês na capa deste primeiro álbum, já diz muito sobre o trio formado em 2011 por alunos de Música na UFSM. Fernando Graciola (violão), Ronison Borba (acordeom) e Pedro Kaltbach (violino) pensam alto. E podem pensar, pois o trabalho é mesmo de nível internacional. Os arranjos usam de tal forma as possibilidades dos três instrumentos, e soam tão únicos, que parecem inventar um estilo, na combinação de música regional brasileira e latino-americana com atmosfera jazzística. Pelo disco passam valsa, choro, vanera, chamamé, milonga e tango com belíssimo resultado na desfronteira entre popular e erudito. Uma das faixas, Caudal, suíte em três movimentos, de Graciola, é exemplar nesse sentido. Produção de Pedrinho Figueiredo. Pró-cultura RS, R$ 25 no facebook do Mafuá Trio Instrumental.
Primeiro disco solo do cantor, compositor e multinstrumentista, ex-integrante do grupo Mas Bah!, de São Leopoldo. Nascido em Uruguaiana, Brodinho estreou no palco na Califórnia da Canção. Para justificar o título, diz que sua cabeça é “uma antena ligada no mundo”, mas tem “os pés plantados no Rio Grande”. Trabalho de impecável produção, Antena Raiz trata ritmos gaúchos com tempero pop. Na capa, um par de tênis ao lado de um par de esporas. Brodinho canta com forte expressão e toca violões, viola, baixo, bateria e percussão. É dele a maioria das músicas, entre elas Parado Mas em Movimento e Meu Pai era Carpinteiro. Também canta outros autores, como Fernando Corona e Pirisca Grecco, que fazem participação especial, assim como Bibiana Petek e Ita Cunha, além de vários instrumentistas. R$ 19,90 em minuanodiscos.com.br
Quem lê este texto já deve saber. Angelo Franco é cantor e compositor revelado pelos festivais, com destacada carreira própria e também ao lado de Shana Müller, Érlon Péricles e Cristiano Quevedo no grupo Buenas e M’espalho. Mas talvez não saiba que este foi o último disco gravado pelo fantástico violonista Arthur Bonilla, que morreu em um acidente rodoviário em 29 de maio de 2015, aos 34 anos. Aproveite, pois Bonilla se mostra no esplendor de seu talento, ao mesmo tempo vigoroso e delicado. Ao lado de músicas de Angelo, como Bem a Cavalo e Chacarera do Tempo, estão Mágoas de Posteiro (Cenair Maicá), Meus Dois Amigos (Jayme Caetano Braun/Noel Guarany) e Luizinho (Luiz Carlos Borges), entre outras. R$ 19,90 em minuandodiscos.com.br