Sabe o que é um disco encantador? É aquele que a gente ouve com um sorriso e a alma leve. Um disco como Viola Perfumosa, também o nome do trio formado pela mineira Ceumar, o carioca Lui Coimbra e o paulista Paulo Freire, em trabalho paralelo às suas carreiras individuais. Nos palcos desde 2016 com a proposta de trazer à tona a música brasileira da tradição sertaneja/caipira, mas não só ela, o grupo chega a um resultado realmente encantador neste primeiro álbum, que homenageia Inezita Barroso (1925 – 2015). A cantora paulista é um símbolo dessa música, voltando-se para várias regiões – por exemplo, foi a primeira a gravar as danças folclóricas gaúchas recolhidas por Paixão Côrtes e Barbosa Lessa.
Guiados pela inspiração de Inezita, e também de Villa-Lobos, pioneiro pesquisador dos sons interioranos, Ceumar (voz, violão), Lui (voz, violão, violoncelo, rabeca) e Paulo (voz, viola caipira) selecionaram um repertório de clássicos do século 20. Uma breve citação do Prelúdio nº 3, de Villa-Lobos, abre o disco com Luar do Sertão (Catulo da Paixão Cearense/ João Pernambuco), seguido de Tamba-Tajá (Waldemar Henrique), unindo Nordeste e Norte. Depois vêm Índia (Guerrero/Flores, versão José Fortuna, sucesso da dupla sertaneja Cacastinha e Inhana, 1952) e o saboroso "causo" Pedro Paulo, contado por Paulo Freire como só ele sabe, ilustrado ao final por Sertão do Caicó (folclore recolhido por Villa).
Continuando, música mais antiga (1910) e mais romântica, a modinha Amo-te Muito (João Chaves), seguida de dois momentos de humor: a definitiva Moda da Pinga (Ochelsis Laureano) e Horóscopo (Alvarenga e Ranchinho). Daí, a mineirice afro de Oi Calango Ê (Hervê Cordovil), o ritmo nordestino de Coco do Mané (Luiz Vieira) e o sabor mineiro de Bolinho de Fubá (Edvina de Andrade), estas três enriquecidas pela percussão de Marcos Suzano. Para fechar, o emocionado poema/causo Menina Ignez, de Renata Grecco, idealizadora do projeto – Ignez é o nome de batismo de Inezita.
O que o Viola Perfumosa traz é grande música, beleza, afeto e delicadeza, um antídoto para o espinhento Brasil de hoje.
VIOLA PERFUMOSA
De Ceumar, Lui Coimbra e Paulo Freire
Natura Musical, R$ 30 em lojacircus.com.br
Tudo o que se pode saber sobre Júpiter Maçã
Vem aí Júpiter Maçã: a Efervescente Vida & Obra, biografia escrita pelos jornalistas Cristiano Bastos e Pedro Brandt que passa a limpo, em minuciosa pesquisa feita ao longo de mais de dois anos, a trajetória de Flávio Basso (1968 – 2015), também conhecido como Júpiter Maçã e Jupiter Apple.
Prometido para setembro, o livro marcará a abertura da Plus Editora. O gaúcho Bastos e o brasiliense Brandt consultaram jornais, revistas, fanzines, livros, blogs, sites, gravações de rádio, vídeos de acervos particulares ou disponíveis na internet, complementando com dezenas de entrevistas e enorme acervo iconográfico.
– Encaramos Flávio Basso como uma das maiores figuras do rock brasileiro, não apenas por sua obra como por todas as histórias que o circundam – resume Bastos, coautor do livro Gauleses Irredutíveis – Causos e histórias do rock gaúcho e da biografia de Julio Reny.
Um dos capítulos do livro reproduz o texto que publiquei em 1996, no jornal ABC Domingo, antecipando em primeira mão o lançamento do primeiro disco de Júpiter, A Sétima Efervescência. Resumo:
"Acabo de ouvir a prova do disco de estreia de Júpiter Maçã e fiquei – digamos – atônito. É a coisa que mais me impressionou no pop gaúcho dos últimos tempos, para não dizer que é a coisa que mais me impressionou no pop gaúcho de sempre. (...) Um dos ídolos dele é Syd Barrett (...) Tem doses dessa demência psicodélica, com coisas que nascem nos Beatles e passam por Roberto Carlos, há traços de Who nas beiradas e viagens que atravessam o tempo pop. É uma ponte dos 60 para os 90 e vice-versa, adolescente e maduro, nostálgico e contemporâneo."
Entre os próximos lançamentos da Plus Editora, dirigida por Roque Jacobi, está a biografia do produtor musical Ayrton dos Anjos, o "Patineti", por Márcio Pinheiro e Roger Lerina.
ANTENA
VIOLA PAULISTA - VOLUME 1
Vários intérpretes
Professor de Música na USP, pesquisador da cultura popular e um dos maiores violeiros do Brasil, com cerca de 15 álbuns lançados a partir de 1985, Ivan Vilela é o idealizador deste disco que nasce histórico. Reúne 19 violeiros e grupos de viola de várias cidades paulistas, mostrando que o ancestral instrumento português de 10 cordas vive um de seus grandes momentos. Vilela selecionou violeiros que estão em início de carreira ou ainda não tiveram o reconhecimento merecido, formando um precioso painel de vertentes distintas, da toada caipira à música erudita contemporânea. Entre eles, Neto Stéfani, Moreno Overá, Ricardo Matsuda, Renato Cagliardi, Bob Vieira, Zé Guerreiro Quarteto e Trio Tamoyo. Acompanha o disco um livreto de 56 páginas com texto de Vilela e notas biográficas sobre os violeiros. Selo Sesc, R$ 20 em sescsp.org.br/loja.
TEMPO DE PAZ
De Chico Lobo e Zé Alexandre
Um dos mais importantes violeiros nascido em Minas Gerais, 30 anos de carreira e outro tanto de discos, Chico Lobo se une pela primeira vez ao cantor e compositor carioca-brasiliense Zé Alexandre - que os mais velhos conhecem pela vitoriosa interpretação da música Bandolins, de Oswaldo Montenegro, no Festival da TV Tupi de 1979, e que continua vencendo festivais Brasil a fora. Feito de vozes, viola, violão e aqui e ali violoncelo e percussão, Tempo de Paz é uma aula de música com alma interiorana e filosofia telúrica em toadas, modas de viola, folias e cantorias. Bandolins abre o álbum, que inclui três parcerias dos dois e canções inéditas de cada um, entre elas Estradar, Viola de Minas, Aboio de Gratidão e Cadim de Vida. Uma delícia. Kuarup Música, R$ 19,90.
RAÍZES SERTANEJAS
De Chico Teixeira
O quarto álbum do cantor, compositor e violonista paulistano tem a força orgânica das gravações ao vivo e é uma espécie de resumo de sua carreira iniciada em 1999, pois de palco ele entende tudo - foram mais de 20 anos acompanhando o pai, Renato Teixeira. O estilo é quase o mesmo, mas Chico tem pegada atual. Ao lado de Thadeu Romano (piano, acordeom), João Oliveira (violão, guitarra), Daniel Doctors (baixo) e Camilo Zorilla (bateria), ele relê clássicos como Cuitelinho (Paulo Vanzolini), Ventania (Geraldo Vandré), Boiadeiro Errante (Teddy Vieira), Laranja Madura (Ataulfo Alves) e Merceditas (Sixto Rio, em versão instrumental), além de canções dele e de Renato, que faz participação especial. Surpresa é a inclusão de Eu Apenas Queria Que Você Soubesse (Gonzaguinha). Kuarup Música, R$ 19,90.
* Os álbuns comentados aqui se encontram também nas plataformas digitais