Raphael Rabello integra o panteão dos artistas da música abatidos pelo lema "viva rápido, morra jovem", como Elis, Noel, Janis, Jimi. Tinha 32 anos quando morreu, em 27 de abril de 1995, deixando 19 álbuns (seis lançados após sua morte) e participação em mais de 600 canções gravadas pelos principais nomes da música brasileira.
Tudo isso em apenas 18 anos de uma carreira superlativa, reconstituída em minúcias na biografia Raphael Rabello: O Violão em Erupção, do jornalista paulista Lucas Nobile (também biógrafo de Dona Ivone Lara). Durante seis anos, Nobile entrevistou mais de 130 pessoas e, na pesquisa, entre centenas de recortes de jornais e documentos, chegou ao requinte de buscar as origens da família Rabello na Paraíba, terra dos bisavós e avós farmacêuticos que também gostavam de música.
Nascido em Petrópolis (RJ), em 1962, foi com o violão do avô que Rafael aprendeu a tocar, sozinho, escondido no quarto, aos sete anos. Um dia, reuniu na sala pai, mãe e os oito irmãos mais velhos e tocou o tango Brejeiro, de Ernesto Nazareth, surpreendendo a todos – como o garoto que mal consegue segurar o violão, gordinho, com dedos roliços, podia estar tocando tudo aquilo, de um autor tão antigo, e sem que eles soubessem?
Rafael (a grafia Raphael só seria adotada em 1991) não gostava de ir à escola, nem de conviver com crianças, só queria tocar. Procurava rodas musicais de adultos, tentava reproduzir os grandes violonistas que ouvia em discos e, aos 14 anos, passou a ter aulas com um deles, o legendário Meira. Um ano depois, com a irmã Luciana no cavaquinho e outros cinco amigos adolescentes, formou o grupo Os Carioquinhas, logo convidado pela Som Livre para gravar um LP com clássicos do choro (1977).
Na sequência, ele se tornaria sensação entre os bambas do choro e do samba pelo virtuosismo e a rapidez com que amadurecia. Entre os álbuns solo (o primeiro é de 1982, assinado como Rafael Sete Cordas), ia fazendo discos e shows com o mestre Radamés Gnattali, Ney Matogrosso, Elizeth Cardoso, Paulo Moura, Nelson Gonçalves, Tom Jobim, Paco de Lucia, e atuando sem parar em gravações de outros, de Cauby Peixoto a Chico Buarque, de Clara Nunes a Adriana Calcanhotto. "Desde os 13 anos ele passou muito mais tempo com o violão entre os dedos do que fazendo qualquer outra coisa", anota Nobile.
Seguia na vertiginosa trajetória quando, em 1992, soube que estava em seu corpo o vírus HIV. "Ali, ele iniciou a queda livre de um voo camicase que duraria por mais de três anos", resume o biógrafo. Raphael entregou-se à cocaína, ao álcool, aos exageros. Até a morte, por insuficiência cardiorrespiratória, no hospital em que estava internado para desintoxicar-se.
Escrito com rigor e paixão, o livro de Lucas Nobile é brilhante, completíssimo (recheado de fotos), à altura do gênio que revolucionou a técnica do violão de sete cordas e tornou-se um dos maiores violonistas do mundo, influenciando no Brasil todos os que vieram depois. E, paralelamente, é um compêndio sobre o violão brasileiro.
RAPHAEL RABELLO: O VIOLÃO EM ERUPÇÃO
De Lucas Nobile
Biografia, prefácio de Zuza Homem de Mello, Editora 34/Rumos Itaú Cultural, 352 páginas, R$ 64.
Uma aula de camaradagem e grande música ao violão
O carioca Zé Paulo Becker está bem posicionado nesta página ao lado de Raphael Rabello. Porque é outro grande do violão brasileiro. O lançamento de seu primeiro DVD, Violão, Amigos e Canções, praticamente coincide com os 50 anos de idade, que comemorará em dezembro. Marca também os 20 anos da gravação do disco de estreia do Trio Madeira Brasil, com o qual, deste então, desenvolve um trabalho paralelo à carreira solo.
Zé Paulo ganhou do pai o primeiro instrumento aos 10 anos, e durante 12 anos estudou violão clássico com o objetivo de tornar-se um concertista. Mas a música popular falou mais forte, e nela o choro. Dirigido por Daniel Lobo, o documentário do DVD se concentra na atmosfera em que Zé Paulo mais se sente à vontade, cercado de amigos – não por acaso todos feras.
A música e as conversas se desenvolvem em três cenários: o palco do Teatro Sérgio Porto, o bar do Centro Cultural Carioca e um estúdio de gravação.
São 16 músicas, sete delas cantadas, entremeadas de bate-papos descontraídos sobre a música, as histórias de cada um, memórias de encontros antológicos, tudo com leveza e bom humor. Entre outros, desfilam, pelas mais variadas formações, Yamandu Costa (que foi apresentado ao ambiente do choro carioca, no Bar Semente, da Lapa, justamente por Zé Paulo), os também gaúchos Bebê Kramer e Guto Wirtti, Rogério Caetano, Silvério Pontes, o Trio Madeira Brasil, os cantores Ney Matogrosso, Roberta Sá, Edu Krieger. O letrista Paulo César Pinheiro, principal parceiro de Zé Paulo, aparece em vários momentos.
Também com cenas das ruas do Rio e de noitadas no Bar Semente, o documentário é uma epifania à camaradagem e uma aula de grande música brasileira.
VIOLÃO, AMIGOS E CANÇÕES
De Zé Paulo Becker.
MPB/ Som Livre/ canal Brasil, DVD R$ 34,90, CD R$ 24,90, disponível nas plataformas digitais.