Quando lançou o primeiro disco como cantor, em 1976, José Milton já começara, timidamente, a trilhar a carreira de produtor fonográfico, que o consagraria. Passados 42 anos, durante os quais produziu mais de 200 álbuns dos principais nomes da música brasileira, agora ele surpreende a todos lançando o segundo disco, Retrato Cantado. “De repente me deu vontade”, disse em uma entrevista, com seu jeito calmo e afável. E a vontade veio acompanhada de vários artistas produzidos por ele ao longo do tempo, de Nana Caymmi a Ângela Maria, passando por Joyce Moreno, Fagner, Carlos Lyra, Miucha, Guinga e até o padre Fábio de Melo, sem contar a seleção de músicos comandados pelo maestro Cristóvão Bastos.
“Este disco é uma viagem sentimental pelas canções que fizeram parte da minha vida e marcaram meu caminho nestes 50 anos de trabalho e amor à música”, escreve José Milton no encarte. A viagem começa com a voz grave e possante acompanhada pelo piano de Cristóvão em Molambo, clássico samba-canção de Jayme Florence e Augusto Mesquita lançado em 1956. Depois vem 50 Anos (Cristóvão/Aldir Blanc), seguida de Velho José Milton faz viagem sentimental UM DOS MAIS notórios produtores da MPB grava segundo disco como cantor – 42 anos depois do primeiro Piano (Dori Caymmi/Paulo César Pinheiro), em dueto com Nana, cujos discos têm sempre José Milton como produtor. Gravada originalmente por ele naquele LP de 1976, a obra-prima Bolero de Satã (Guinga/PCPinheiro) vem agora ao lado do violão do próprio Guinga.
Outro clássico, Atiraste uma Pedra (Herivelto Martins/David Nasser), em dueto com Fagner, recupera a base instrumental que seria usada em um disco de 1987 que reuniria José Milton e seu ídolo Nelson Gonçalves, e acabou não saindo. Entre as outras, tem Nem Eu (Caymmi), dueto com Ângela Maria, que lançou essa canção em 1953; As Vitrines (Chico Buarque), Tocando em Frente (Renato Teixeira/Almir Sater), em dueto com Fábio de Melo, e dois sambas-canção atuais, Retrato Cantado (Márcio Proença/Aldir Blanc) e E Era Copacabana, com a participação dos autores, Joyce e Carlos Lyra. Entre os músicos João Lyra, Jorge Helder, Jurim Moreira, Jamil Joanes, Jessé Sadoc e Paulo Braga.
Nascido no Ceará, José Milton, 72 anos, começou cantando nos bares de Recife. Na virada dos anos 1960/70 já vamos encontrálo soltando a “voz de crooner” na noite paulistana, com um repertório de Nelson Gonçalves, Dick Farney, Lúcio Alves, por aí. E em 1980 chega ao Rio de Janeiro, contratado pela gravadora EMI Odeon, para tornar-se um de seus mais requisitados e longevos produtores.
RETRATO CANTADO
De José Milton. Biscoito Fino, CD R$ 28. Disponível nas plataformas digitais.
Em Lisboa, a maturidade de Bernardo Lobo
Feita com vozes e palmas, a marchinha Zum-Zum abre em formato de vinheta o quinto disco de Bernardo Lobo em 20 anos de carreira. O efeito é emblemático: composta nos anos 1940 por seu avô Fernando Lobo, Zum-Zum também estava no álbum que seu pai, Edu Lobo, gravou em 1970 depois de se mudar para Los Angeles. C’alma, o novo disco, foi gravado em Lisboa, onde Bernardo vive há dois anos – a propósito, foi lá que assumiu esse nome, antes era Bena Lobo. São 11 canções que afirmam o DNA familiar, com ecos da MPB dos anos 1960/70, pós-bossanovista, algumas delas de tom levemente melancólico.
O crítico carioca Hugo Sukman está certo ao dizer que C’alma marca a maturidade de Bernardo como artista, “seja cantor, compositor, arranjador e instrumentista”. Seus parceiros também vivem em Lisboa e o trabalho reúne brasileiros, portugueses e cabo-verdianos – daí, e por tudo, tem expressivos ares lusitanos - como no quase fado Planisfério do Amor, com a participação da portuguesa Maria Emília. Ciranda da Lágrima remete à origem nordestina da família, mas o samba predomina e as letras são muito boas, fortes. Entre os parceiros e músicos estão Pierre Aderne, Marcos Valle, Joyce, Jaques Morelenbaum e Mu Chebabi.
C’ALMA
De Bernardo. Lobo Biscoito Fino, CD R$ 30. Disponível nas plataformas digitais.
ANTENA
20 ANOS
De Vander Lee
Este DVD do cantor e compositor mineiro é também seu testamento. Foi gravado no início de julho no Espaço Tom Jobim, Rio de Janeiro. Ele morreria um mês depois, por infarto, em Belo Horizonte. Tinha 50 anos. Vander Lee começou cantando nos bares de BH e chamou a atenção com um trabalho autoral que não remetia à linha do Clube da Esquina nem à do pop das Minas. As baladas e sambas de expressão predominantemente romântica fizeram dele um músico com bom público. O vídeo, lançado pelo Canal Brasil, sintetiza os nove álbuns lançados de 1997 a 2015. O público carioca canta junto sucessos como Estrela, gravado por Bethânia, e Mais um Barco, por Alcione, mas principalmente Românticos, primeira música a fazer sucesso no Rio, em 2000. Dois momentos especiais do show são Prece Preciosa, com a participação da filha Laura Catarina, e Onde Deus Possa me Ouvir, com a baiana Mariene de Castro. Melodista inspirado, cantor expressivo, Vander Lee deixou um legado que merece por ser descoberto por muito mais gente. Nos extras do DVD há uma entrevista com ele e depoimentos de fãs. Independente, distribuição Radar, DVD R$ 29,90, CD R$ 19,90. Disponível nas plataformas digitais.
FEITA NA PIMENTA
De Alexandra Nícolas
Antecipando as festas juninas, que agitam o Nordeste, o segundo disco da cantora maranhense é puro forró – no anterior, de 2013, ela gravou sambas. “Quero festa, quero dança”, diz a letra de Tá Pegando Fogo (Betto Pereira). E é isso mesmo o tempo todo, com a voz bonita e aberta de Alexandra acompanhada por um time de músicos da pesada, como João Lyra (também autor dos arranjos), Adelson Viana, Jamil Joanes, Rogério Caetano e Cristóvão Bastos. O toque sensual, malicioso, turbina várias letras, entre elas a de Chamego Encantado (João Lyra/Zeh Rocha): “Tô ficando assanhadinha/ Vem dançar me dá um nó”. Teu (Zeca Baleiro/Anastácia), com participação de Zeca, vai pelo mesmo caminho. Na hilariante Preta Chica (Paulo César Pinheiro/ Roque Ferreira), a personagem toma um pileque, dança com o sacristão, chama o padre de madame e vomita no confessionário. Coco Fulero (Lyra/Zeh) fecha o álbum com uma letra que pede ao povo pra não anular o voto e vai além: “A cambada de canalha/Empresário de cangalha/Na Papuda dá mais não”. Alexandra acaba de ganhar o Troféu Gonzagão, “o Oscar do forró”. Independente, RS 30 na Livraria Saraiva, Submarino e americanas. com. Disponível nas plataformas digitais.