Às vezes, chegar à unidade requer multiplicidade. É precisamente esse o caso do sétimo álbum do cantautor uruguaio Daniel Drexler, gravado entre Rio de Janeiro, Montevidéu e Buenos Aires, com a participação de quase 30 artistas dos três países. Com uma concepção meio mântrica, a canção que dá título ao trabalho, UNO, começa assim: "Más allá de las visiones, más acá del catequismo/ Cuando caem las nociones, en el borde del abismo/ Más acá de las galaxias, a la vuelta del vacio/ Desafiando la cordura, todo vuelve a ser lo mismo".
Se a poesia com viés filosófico é uma das marcas de Drexler, desta vez ele dedica especial atenção aos pequenos mistérios do cotidiano – como na faixa de abertura, o candombe La Rambla de Montevideo, onde "minha infância ainda brinca em tuas praias".
Um dos esteios do tripé que formata instrumental e ideologicamente o disco é a percussão. "As músicas têm forte influência do pulso rítmico de minha cidade", diz. "Mas também fui em direção ao Rio de Janeiro, que sempre esteve presente em minha formação. Há um encontro entre esses dois universos percussivos de raiz afro." Outro esteio é o uso, em quase todos os arranjos, de teclados vintage como Mellotron, Moog, Hammond, Wurlitzer. E o terceiro, é a base de guitarra, violão e baixo, combinados aqui e acolá com cordas e sopros – pode entrar aqui o delicado e marcante coro de duas e três vozes, presente na maioria das faixas.
Alguns dos músicos: os brasileiros Kassin (nada menos que produtor do disco), Marcos Suzano, Danilo Andrade e Davi Moraes; os uruguaios Dany López e Jhonny Neves; os argentinos Matias Cella e Sebastián Jantos.
Não disse ainda que UNO tem uma essência pop temperada com melancolia. É assim Febril Remanso, uma das três parcerias com o gaúcho Zelito – e o violino de Zelito está em Salvando la Distância, valsa que fala em Skype e em Whatsapp. A intrigante Mariposas surpreende com um... samba-rock. Outro exemplo de filosofia do cotidiano está em De Cada Ocasión que Caí, canção com ares de bolero. Pouco depois, Marcelo Jeneci divide a interpretação na pulsante Al Menos un Segundo. Já Los Peones de La Guerra tem algum DNA de tango e é o momento mais crispado, denúncia da injustiça social e outras mazelas de nosso tempo. Mas ela não fecha o disco, está no meio dele. O fechamento traz Vívida Vida, alegre marcha de coreto que lembra A Banda (Chico Buarque), com a tuba puxando o desfile.
Daniel Drexler tem um trabalho sofisticado e aconchegante. Nunca eleva a voz. Um grande compositor, uma grande produção, um grande álbum.
UNO
De Daniel Drexler
MS2 Discos, 12 faixas
R$ 26. Show de lançamento em 1º de junho no Theatro São Pedro.
Uma sinfonia para Los Hermanos
Em 2016, a Orquestra Petrobras Sinfônica resolveu fazer um projeto com música popular. Lançado em 2003, Ventura, o mais cultuado álbum da banda Los Hermanos, foi o escolhido para abrir a série. A repercussão do espetáculo levou a orquestra a registrá-lo em disco – a gravação ao vivo foi feita no Teatro João Caetano, do Rio, e o resultado é também extraordinário. Em tese, como ocorre nos concertos clássicos, o público deveria ouvir em silêncio. Mas neste caso a plateia não resiste, canta junto o tempo todo, mesmo nas versões só instrumentais, e marca o ritmo com palmas. As orquestrações brilhantes e fiéis (nos mínimos detalhes) de Marcelo Caldi fazem com que a releitura da Petrobras Sinfônica entre de fato no espírito do álbum.
As 15 faixas de Ventura são tocadas na ordem original, de Samba a Dois até De Onde Vem a Calma, passando por Último Romance, A Outra, Cara Estranho, O Velho e o Moço... Os cantores Roberta Campos e Rodrigo Costa (ex-Forfun) alternam-se nas interpretações. Regidos de forma exemplar por Felipe Prazeres, os mais de 70 músicos vibram com a vibração do público e chegam a uma sonoridade orgânica do tipo raro. O álbum duplo se completa com o DVD Além do Que Se Vê, historiando o processo através de depoimentos de, entre outros, Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, Caldi, Prazeres, Mateus Simões (autor da ideia), o tubista Eliézer Rodrigues (que integra a orquestra e tocou em Ventura), o produtor Kassin, além de registros dos ensaios.
VENTURA SINFÔNICO
Da Orquestra Petrobras Sinfônica
Álbum duplo CD + DVD, 15 faixas DeckDisc,
R$ 39,90.
Antena
No Circo Voador
Da Blitz
No dia 15 de janeiro de 1982 a Blitz fazia no Circo Voador o primeiro show de sua consagração, abrindo as portas do depois chamado BRock. Mesmo interrompida duas vezes (1986 e 1999), a festa continua: em abril de 2017, a banda voltou lá para gravar este DVD para marcar os 35 anos. Do time original restam o cantor Evandro Mesquita, o tecladista Billy Forghieri e o baterista Juba (substituto de Lobão ainda no início). Os novos integrantes, como as vocalistas Andréa Coutinho e Nicole Cyrne, são até melhores. É diversão garantida durante 82 minutos, recheados de convidados como Alice Caymmi, Afroreggae e George Israel. Um show para quem gosta de rock, pop, samba e bom-humor, com hits (A Dois Passos do Paraíso, Betty Frígida, a pedra fundamental Você Não Soube de Amar etc.), músicas novas e sucessos de outros, entre eles País Tropical e O Rei do Gatilho.
Canal Brasil/Deck Disc, DVD R$ 49,90.
CABARÉ STAR
De Edy Star
O baiano Edy Star estreou em 1971, no mítico LP Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, ao lado de Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada. Aos 79 anos, o único sobrevivente está em plena forma, como mostra neste segundo álbum solo – o primeiro, de 1975 (!), inaugurou no Brasil a estética do glam rock. Depois disso, durante mais de 20 anos, Edy dirigiu shows de cabaré em Madri. A surpreendente volta ao disco se deve a Zeca Baleiro, que o produziu para ser a trilha do documentário Antes Que Me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star. “Sou uma vovó transgressora”, diz. Com voz potente, desfia um roteiro eclético que tem de Perdi o Medo (Odair José) a Ave Maria no Morro (Herivelto), passando por Merda (Caetano Veloso), Peba na Pimenta (João do Vale), Rock’n’Roll é Fodaço (dele) e Procissão (que fez em parceria com Gil, omissão só desfeita há pouco). O ótimo álbum tem as participações de Caetano, Ângela Maria, Filipe Catto, Baleiro, Ney Matogrosso e as vozes de Raul Seixas e Emílio Santiago.
Saravá Discos,R$ 26,90.
MAUS TEMPOS, BONS TEMPOS
De Uranius Blues
Nascida em São Leopoldo, a Uranius Blues já é uma das melhores bandas do gênero no Brasil. Quem duvidar, pode ouvir este primeiro álbum, saindo depois de um EP (2012) e um DVD ao vivo (2013), e tirar suas conclusões. Tendo à frente Urânio Laureano, compositor, vocalista e saxofonista, a banda trafega por vários climas, do blues clássico ao rockeiro, feito com segurança musical e competência técnica. Assim como Urânio, seus parceiros Tiago D’Andrea (pianos, Hammond), Rafael Salib (guitarras, violão), Samuel Bolacel (baixo) e Paulo Barros (bateria, percussão) dominam o assunto. As letras seguem o cânone do blues, sobre estradas, bares, encontros e desencontros. Só vou citar uma música, pela particularidade: Ninguém me Avisou, que tem uma levada dançante caribenha. Entre os convidados, o gaitista chileno Gonzalo Araya e músicos de sopros.
Funcultura de São Leopoldo, R$ 30, contato rafaelsalib@hotmail.com