Somente amigos músicos, alunos e um pequeno público atento e focado saberá dizer quem é Alexandre Vieira, que na próxima terça-feira lança seu segundo disco em 30 anos de atividade. Low profile total, ele é daqueles para quem fazer música parece vir antes de tudo mais que isso possa implicar. Chegando 12 anos depois do anterior, o novo álbum se chama simplesmente Novo e seus temas básicos são o tempo e o movimento. Para desenvolver essas noções, ele se cercou de uma combinação única de músicos de Porto Alegre e chegou a um resultado de altíssimo nível. Trabalho de artista pouco visível mas de grande maturidade.
Doutor em Música pela UFGRS, Alexandre é professor do Instituto Federal do RGS e de 1998 a 2002 liderou o quinteto popular de câmara Café Acústico. Em 2005, de forma pioneira, lançou somente na web o álbum Chacarera Blues. De lá para cá fez raros shows, burilando o repertório de Novo, que tem parcerias com Carlos Patrício (o mais antigo e constante), Mário Falcão, Richard Serraria e o uruguaio Sebastián Jantos. O disco foi gravado entre 2014 e 2017 em estúdios de Porto Alegre, Montevidéu, Rio de Janeiro e as cidades portuguesas de Aveiro e Porto. São canções de harmonias refinadas e variadas abordagens rítmicas.
Eu diria que a MPB de Alexandre se insere no espírito sulista da estética do frio. O álbum começa pop com O Relógio da Saudade, música feita sobre poema atribuído ao místico Antônio Conselheiro (1830-1897). O samba Nos Lençóis cita Nelson na letra e tem a voz do próprio Coelho de Castro. Outra forte é Céu e Abismo, voz de Bebeto Alves e tempero meio árabe. Mais leve, bossa-novista, Miragem tem o brilho da cantora Andréa Cavalheiro. Interior, chacarera com acordeom, é cantada lindamente por Débora Dreyer. O candombe Camundongo Oriental recebe a voz de Federico Trindade. Sebastián canta Por La Ruta, em espanhol.
Alexandre faz voz solo em apenas uma música, a primeira. Toca violões em quase todas, ao lado de uma seleção de craques formada, entre outros, por Angelo Primon, Dany López, Filipe Narcizo, Lucas Kinoshita, Márcio Petracco, Alexandre Fritzen, Klênio Barros, Matheus Kleber, Dúnia Elias e Pablo Lanzoni.
Independente, CD R$ 25, LP R$ 65, à venda em Porto Alegre na Toca do Disco. Por encomenda, no Facebook de Alexandre. Disponível nas plataformas digitais. Show de lançamento dia 19/12, às 21h, no Café Fon Fon (Rua Viêira de Castro, 22). Ingresso R$ 30. Reservas pelo telefone (51) 99880-7689.
A primeira celebridade da MPB
Meu amigo Liberato Vieira da Cunha me apresentou um conto de Machado de Assis que eu ainda não conhecia. “Ele registra o primeiro astro da música popular brasileira”, disse, empolgado. O conto chama-se Um Homem Célebre, passa-se na década de 1870 e conta a história de Pestana, cerca de 30 anos, grande pianista e brilhante compositor de polcas. A sala da casa que herdara do padre que lhe ensinara latim e música (e que, “segundo os ociosos”, era seu pai) tinha as paredes cobertas de retratos de compositores clássicos. Sob seus olhares sérios, Pestana compunha ao piano. As polcas saíam-lhe como por milagre, buliçosas, e faziam sucesso no Rio de Janeiro, tocadas nos cafés, dançadas em saraus, assobiadas nas ruas. O editor das partituras, cujas edições logo se esgotavam, vivia a pedir mais e mais. Mas Pestana queria mesmo era ser um compositor erudito como os dos retratos. Tocava muito bem Beethoven, Mozart, sem conseguir compor algo que prestasse. Passou a odiar as polcas, que eram seu ganha-pão, e a repelir as jovens admiradoras que o assediavam. Em vão, as polcas insistiam em brotar. Cada vez que compunha uma, “os velhos mestres retratados o faziam sangrar de remorsos”. O conto é ótimo, fico por aqui. Você o encontra na internet.
TERRA DE SONHOS - De Renato Teixeira e Orquestra do Estado de Mato Grosso
O principal parceiro de Renato Teixeira é o mato-grossense Almir Sater.
Então, o compositor paulista estava à vontade para participar do projeto com a Orquestra do Estado de Mato Grosso, que circulou por oito cidades. Dele saiu este irretocável álbum com regência de Leandro Carvalho e arranjos originais de André Mehmari, Ruriá Duprat, Vittor Santos e outros. Ao lado de sucessos como Tocando em Frente, Um Violeiro Toca (ambas com Sater), Trem do Pantanal (Geraldo Roca/Paulo Simões), Chalana (Mario Zan), Renato canta suas Amora, Passatempo (inédita) e músicas antigas dedicadas ao estado, como Mato Grosso Rico (Paraíso e Tinoco). A sonoridade da orquestra, criada em 2005, redimensiona o cheiro de terra das canções. Kuarup, R$ 25. Disponível nas plataformas digitais.
CANTO CANÇÕES DE AMOR - De Rafael Brasil
Um dos mais conhecidos cantores da noite porto-alegrense, em ação desde 1997, Rafael Brasil resolveu registrar em DVD a passagem dos 20 anos de carreira. Em vez de fazer isso num palco, com público, que é o mais comum, optou pela gravação ao vivo no Estúdio Soma. Ele e seus impecáveis violões, cercados por Ciro Moreau (guitarra), Marco Farias (piano), Mário Carvalho (baixo acústico), Meco Dutra (baixo), Rodrigo Sorriso (bateria), mais os vocalistas Cíntia Rosa e Rosa Franco. O repertório reúne músicas desses 20 anos, todas conhecidas dos fãs, como Quando me Encontrar, Sem Sua Mão, Jantar a Dois e Liga Pra Mim. Rafael é essencialmente romântico, mas tem bom-gosto e canta muito. Independente, DVD R$ 20, CD R$ 10, à venda na fanpage do Facebook.
BIFE DE BÚFALO - De Bife de Búfalo
Fernando Keiber, Emerson Maicá, Eduardo Cardoso, Leandro Gauer e Eduardo Guedes formam a Bife de Búfalo, banda de existência bissexta criada em 2001 na cidade de Santa Rosa. Para a volta à estrada com seu show “politicamente incorreto”, lança este terceiro álbum, 13 anos depois do anterior. São dez faixas de humor escracho. O reggae Ligue Já é sobre um garoto de programa. Um vaneirão com Luiz Carlos Borges no acordeom, A Bichice é Um Pecado prega a “terapia do joelhaço”. A faixa Brigadiana tem arranjo de música brega. O rock/rap Depois não, agoia!, debocha de um rapper que quer o seu Porsche “agoia!”. E por aí vai. É bem tocado e bem divertido. Independente, R$ 10 nas lojas Multisom e em www.bifedebufalo.com.br. Disponível nas plataformas digitais.